A Boa Nova de César Lacerda

A tinta ainda secava em meus dedos quando escutei da necessidade do viver, uns anos atrás. Parei de confeccionar a parede à minha frente. As pessoas ainda passavam na rua, e tudo em volta permanecia igual, menos eu. Já não era importante saber o que pintar, só precisava conhecer o responsável por aquela deliciosa confusão momentânea. César Lacerda me veio ao acaso e foi devidamente compartilhado, obrigatoriamente entregue para quem concorda que sua obra é feita pra amar, para o amor.

Uma mulher, metade sereia de pérolas, olhos de maré baixa, boca carmim, metade beleza convincente de cabelos loiros é mostrada – ainda sem o azul da íris exposto – para revelar mais uma surpresa de Lacerda. No clipe “Agora a Dois”, single do disco “Paralelos & Infinitos”, ela surge em frente à círculos disformes e cheios de cor. Abre os olhos devagar e vai sumindo. Por suas costas passam galáxias, girassóis, tudo criado em minha cabeça, enquanto pude compreender. A voz melodiosa me dizia que “viver é o bom do amor”, só pode ser mesmo.

A letra fala de um amor pra lá de anos, algo a querer pra si, companhia duradoura. As sensações apresentadas são as mesmas de quando o conheci. Lacerda me ganha em menos de 10 segundos de música. O cantor e compositor mineiro, nascido em Diamantina, não possui 30 anos ainda. Parece ter uma alma envelhecida de sentimentos, folha de papel amarelada nas bordas repleta de anotações que ensinam o que é importante, mas que por algum motivo, esquecemos. Poemas e traços desenhados em outras décadas dizem de hoje, amanhã. César Lacerda é atual, anacrônico, é a chave e cadeado. Ele possui elementos principais que se completam, não precisa de mais nada.

Devo dizer, infelizmente, que o clipe “Agora a Dois” possui um defeito grave: Só dura o tempo de 2’55”. Deveria ser feito para preencher uma tarde de trabalho inteira, um engarrafamento estressante, aquele momento de roupa nova encharcada de lama, domingo de preguiça e agonia. César Lacerda causa uma sensação tão própria que não possui nome, e por isso, “Agora a Dois” é feito pra curar.

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Mariana é de gêmeos, capixaba e jornalista, não necessariamente nessa ordem. Está em dúvida se gosta mais de ler ou de escrever. Espero que nunca descubra.

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