A Temperança de Uyara Torrente

A Temperança de Uyara Torrente

faz frio em poços de caldas. da varanda do apartamento, vejo os vales que contrastam entre os fios lânguidos e a paisagem urbana, cinza e outonal. um vaso de flores guardando a entrada da janela lateral, como se primavera dos ventos da manhã, um cão andaluz fuçando a quietude rude do asfalto úmido, uma garota de hobby fumando na janela do apartamento da frente,

meus olhos se demoram na rotina enquanto lembro que há algumas semanas eu tinha um emprego fixo e hoje voltei a trabalhar apenas como artista. o que me faz atrasar alguns compromissos importantes e essenciais para minha nova velha vida. sentir o peso das transformações me fez aquecer um pouco nos sei lá quantos graus abaixo dos 10 desse pequeno filme francês ao sul de minas,

mas não foi aqui que tudo se deu. foi ainda em casa, cheiro de matinho encobrindo a calçada, contas a pagar, luzes pra trocar, carinho nas mãos, cheiro de café, patinhas de lama pelo chão. aí vieram os problemas – sempre eles – e me sabotei por alguns dias até chegarmos aqui, no frio de tudo, no fio de mim, mas

se recompor é necessário. acendo uma palha mineira e tento me transportar novamente para aquelas cores psicodélicas. temperança é uma palavra que significa, dentre outras coisas, domínio de si e moderação dos desejos. mas que encontra outros sentidos no clipe do novo trabalho da voz que reverbera pelo país o som da banda mais bonita da cidade:

e lá se vão sete anos desde que a música oração serviu como porta-voz para toda uma nova cena musical de artistas independentes de curitiba. apesar da composição ser do parceiro de geração leo fressato, a voz definitiva dessa síntese vem de uyara torrente,

que agora põe seu coração às vísceras para os fãs em seu novo trabalho – que também inaugura a fase solo de sua carreira – ainda em processo de construção. quando você quer preparar um remédio salutar, põe um cadinho de raio de sol e um pouquinho da luz do luar,

e seguem as cores emanando luz para a dança quase ritualística de uyara. primeiro os olhos buscando (e se buscando) nos primeiros segundos de vídeo. a canção, como um rio, flui na batida que desemboca em elementos que lembram tambores, florestas, patuás e curas pelo espírito. a santa psicodelia, ainda

sem data fixa para lançamento do disco completo, a temperança vem como um divinal abre-alas no universo de uyara. o diálogo com as formas e perspectivas naturais, evocando indizíveis tempos e silêncios – tantos, outros -, se faz presente como principal mote das expectativas para o que ainda sequer foi semeado em sua totalidade. por ora, sinta – e se possível, faça – a dança mais hipnótica da floresta.

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Escritor, compositor, produtor cultural e geminiano. Prefere orquestrar silêncios que causar barulho. É fã das canções que só são absorvidas usando fone de ouvido num lugar isolado.

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