Artista do Mês: Lucas Caram

Artista do Mês: Lucas Caram

Lucas Caram é um jornalista tímido. Vindo de uma família que respira música, sempre esteve nos bastidores da canção – seja compondo com a irmã, Bruna; ou atuando aqui e ali no PRIMO, projeto que une os dois ao primo Paulo Novaes (já ouviu “Perdoa”? É uma música do Paulinho que nunca mais vai sair da sua cabeça e já ganhou até versão de Anavitória. Vale a pena!).

Mas chegou a hora de protagonizar. Ele acabou de lançar seu primeiro disco solo, que tem a família inteira mandando ver e conta ainda com Daniel Altman (violão de 7 cordas), Igor Pimenta (baixo) e Gabriel Altério (Bateria), além das participações especiais de Ga Setúbal (trompete em “O Fim” e “Se Você Soubesse”), Ronen Altman e Fernando Caram (bandolim e cavaquinho em “Samba da Solidão”). O trabalho está bem bonito e você pode saber um pouco mais clicando aqui para ouvir e ler. Mas, antes, conheça melhor o artista a partir de suas próprias palavras:

Qual foi sua primeira música lançada, mesmo que na voz de outra pessoa?
Foi “De Repente”, música minha e do Paulinho que ele lançou no primeiro disco, “Esfera”, com participação da minha irmã, Bruna Caram.

E quando você decidiu subir ao palco pela primeira vez?
Eu já tinha participado informalmente de alguns shows. Quando morei em Portugal, me apresentei com o Marcos Ferraz, da Trupe Chá de Boldo – voz, violão e saxofone; fiz uns shows da família, essas coisas. Mas a primeira vez que eu entrei, mesmo, como músico e compositor, foi em abril de 2018, no lançamento do Projeto Primo, no Bona. Eu já vinha trabalhando nessas músicas desde o começo do ano, mostrei pro Paulinho e pra Bruna, que já tinham um projeto juntos, e a gente decidiu juntar em um novo projeto, nós três, que depois daria no primeiro EP, lançado em julho do ano passado.

O que te fez pensar “agora, vou colocar o meu disco no mundo”?
Acho que não foi algo específico, mas desde que eu voltei a compor a sério, nesse ciclo que veio desaguar no disco, eu já pensava que gostaria de ouvir algumas dessas canções gravadas, algum dia, quando eu estivesse pronto pra isso. Mas eram muitas músicas, elas foram mudando com o tempo, algumas que eu não dava muita bola foram crescendo, outras chegaram pra entrar no disco nas semanas anteriores à gravação – foi tudo muito orgânico e no tempo certo. Eu fui maturando, tocando nos shows, ouvindo a opinião das pessoas e me preparando pra esse momento, de agora, chegar.

Ter a família toda musical ajuda até onde?
Já foi uma questão pra mim, porque minhas duas famílias são musicais de uma forma muito diferente. A família do meu pai tem opiniões mais fortes sobre música e, durante muito tempo, eu absorvi isso, me cobrei muito de tocar violão em um certo nível, de estar próximo da tradição do choro, da seresta, que são coisas que meu avô Jamil prezava muito. Já a família da minha mãe é mais aberta, expansiva, é coletivamente musical, tem aquele barulho gostoso da casa da minha avó Margarida.

Então, eu já me senti ali no meio do caminho entre as duas. Até hoje talvez seja assim, mas transformei isso em uma coisa a meu favor, eu tento ser o melhor de cada uma e carregar de alguma forma isso adiante.

Em algum momento você sentiu aquela insegurança pequenininha justamente por lançar seu début em meio a tantos talentos na família?
Ah, insegurança eu sinto sempre, faz parte da minha persona artística, eu acho. O palco já foi um trauma pra mim, acho que eu sempre tive uma voz crítica muito forte sobre a minha composição – talvez venha do meu lado paterno e isso por muito tempo foi um impedimento. Mas minha família nunca atrapalhou, pelo contrário: durante todo esse tempo em que eu não estive no palco, eu estive com eles, tocando e compondo com a minha família.
Quem estava comigo desde o início eram a Bruna e o Paulinho, meus maiores parceiros, que sempre pararam pra ouvir minhas canções, sempre foram sinceros e não me deixaram desacreditar do que eu estava fazendo.

Com o tempo, os tios também me ajudaram muito: a Maída sempre me abriu as portas, a Ana Caram, minha madrinha, também troca muita ideia sobre as minhas músicas; o Juca, que eu sou muito fã, gravou uma parceria nossa no disco novo dele; o Fernando Caram participou de uma faixa do meu disco agora. A gente está sempre junto e eles me dão segurança.

Suas composições levam para muitos lugares da música brasileira e parecem ter aquela pitada inspiradora de amigos como 5 a Seco. O que mais te inspira?
Eu sempre ouvi muita música. Quando eu era pequeno, gostava de ficar organizando meus discos, era uma época que meus tios estavam se desfazendo do vinil e eu aproveitei bastante. Ouvi muita coisa diferente, mas tenho muita influência do Clube da Esquina, por causa dos meus tios. Também tive minhas fases de muito Gil, Djavan, Tom Jobim, Chico, Dorival Caymmi, Nana, Bethânia, Gonzaguinha, Lenine, Guinga… Da minha mãe, ouvi muito Elis, Fátima Guedes, Rosa Passos… Meu pai amava o Beto Guedes, Phil Collins, Pink Floyd… Acho que entra tudo – são os universos que eu visito quando vou compor, é a quem eu recorro quando quero fazer do meu jeito.

E sim, sou muito amigo dos meninos do 5 a Seco, conheço o Pedro Altério e o Pedro Viáfora desde muito pequeno, quando nossos pais iam nos festivais de música, e com certeza eu sinto que as canções deles também fazem parte das minhas. Dessa geração, eu escuto muito os meus amigos, Paulo, Bruna, Bárbara Rodrix, Léo Middea, acompanhei o Pitanga em Pé de Amora desde o começo e hoje tenho o prazer de tocar com o Daniel Altman, de ter a participação do Ga Setúbal, que vai lançar um disco lindo ano que vem, e também ouço muito o Tim Bernardes, a Luiza Lian… Gosto muito do português Salvador Sobral, da Vanessa Moreno…

Como foi todo o processo de produção e gravação desse disco? Quem esteve do seu lado nessa caminhada?
O processo acho que é o mesmo da composição das músicas. Começa ali em fevereiro do ano passado, no Brasil, quando eu fiz as primeiras músicas, mostrava pra minha família e tal. Depois passa pelo primeiro show no Bona, o primeiro EP e ali acho que minha percepção sobre isso mudou muito. No começo, eu achava que ia chegar uma hora em que isso tudo ia passar, eu ia ter feito aquelas músicas e boa, mas não foi assim. Fui pra Portugal e esses meses ali foram importantes para me afirmar, fazer mais shows, mais músicas, decidir pela volta pro Brasil.

O Paulinho talvez tenha sido a pessoa fundamental no processo. A gente entende o ritmo um do outro e ele foi me ajudando a dar forma pras canções, pro disco, a ter mais segurança e pensar nas camadas para além de só fazer a música e tocar para alguém ouvir. Daí no Brasil, os três que trabalharam comigo na base do disco são pessoas incríveis: o Daniel Altman, que foi meu professor de violão e é meu irmão, o Igor Pimenta, que tocou anos com o Paulinho e com tantos outros amigos, e o Gabriel Altério, que é meu amigo desde muito pequeno. Acho que a unidade que o disco aparenta ter, já que é um disco todo tocado ao vivo, é porque a gente conseguiu captar um pouco da identidade de todo mundo que participou. Tem muito de cada um em cada faixa.
E até quem esteve comigo nesses meses, ouviu as músicas, compôs outras músicas comigo, foi aos shows… Acho que todos tiveram uma importância para eu poder enxergar as canções de outras formas e chegar nesse formato final, que me deixou bem feliz.

Hoje, num momento onde o jornalismo cultural fica cada vez mais sufocado em meio a um momento político bastante complexo, onde você vê respiro para a nova música?
Acho que a música e a arte em geral são fundamentais, especialmente em um momento perigoso de intolerância e de raciocínio curto para problemas bastante complexos. Arte é sempre resistência e defender uma música é defender uma ideia. Mesmo que minhas canções no disco não falem exatamente de política – diferente da “Gente de Bem”, parceria minha e da Bruna que ela gravou no disco dela – acho que levar a mensagem, fazer as pessoas pensarem, sentirem, pesarem as coisas, colorarem-se no lugar do outro, que é algo que a música também faz, é sempre importante. A arte é uma arma num tempo em que racistas e fascistas andam de exibindo orgulhosamente como no Brasil de hoje.

Falar de artista independente hoje é quase redundante. O que você acha que se ganha e se perde nessa independência?
Acho que o artista independente mudou muito, porque o mercado também mudou radicalmente nas últimas décadas. Quase todo mundo hoje é independente e enquanto isso a mídia tradicional é cada vez mais fechada para o que vem de novidade. Não sei se tem muita solução a equação, eu converso muito com meus amigos sobre de que forma se posicionar nesse mercado e conseguir alguma relevância. Acho que a resposta é ocupar os lugares, unir as pessoas em torno da sua música e apostar no tempo. É um processo muito longo e acho que existe uma rede independente que dá algum suporte e espaço para estes artistas existirem, pelo o menos em São Paulo, que é a realidade que eu conheço.

Olhando para o álbum como um todo, o que você mais gosta nele?
O que eu mais gosto é de ver como o disco tem uma identidade. A gente conseguiu fazer com que cada pessoa que participou do disco esteja ali, registrada de um jeito bastante singular. O violão de 7 é a cara do Daniel, os baixos são a cara do Igor, a bateria é mesmo a do Gabriel, o trompete do Gá, os coros da minha família – isso tudo, até o meu violão, tantas coisas que vieram no processo e que todo mundo abraçou de uma forma muito generosa. É esse todo que me deixa feliz com o resultado.

Em qual música você se sente mais em casa e por quê?
Do disco? Acho um pouco impossível dizer. Cada dia/semana/mês eu fico mais próximo de uma. Às vezes, tem uma frase que muda de sentido com relação à minha vida e eu percebo. Outras vezes, é um sentimento que muda, não sei. Talvez a primeira que eu tenha ouvido no processo da mix e que eu tenha pensado “é, está ficando bonito mesmo” é a “Se Você Soubesse”. Mas “Alguém me Ouve”, quando a gente mixou o coro final, também eu me emocionei muito. “O Fim”, que é muito forte sempre… Não tenho como escolher uma. Todas me ajudam quando eu preciso.

Como você se sente quando alguém te ouve?
Hahahahaha Me sinto bem de estar com quem me ouve. Mas, pra falar a verdade, foi essa música que me ouviu quando eu fiz.

Quer falar algo mais? A hora é esta 🙂
Acho que falei demaaaaaais. Hahaha

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Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.

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