Resenha: César Lacerda
Foi amor à primeira escuta. Simples assim. Desde o EP lançado em 2011, composto de três atraentes e elétricas canções, e um trabalho em conjunto com a cantautora Luiza Brina (Lu e César), lançado aqui no Jardim da MPB, César Lacerda vem cativando ouvidos e corações com a pujança e urgência da sua poética. O caminho chama para a voz, para o sombrear ou clarear do real a partir do que (de)canta a voz. O olhar do cantautor que passeia paisagens de um povo que sabe cantar o que quer e é feliz por poder, talvez esse mesmo povo seja resultado do seu canto ritual, de paz e de guerra, de amor e rancor. Um povo que canta é um povo que dança a alegria da voz.
“Porquê da Voz”, mais que uma explicação ou justificativa, é uma coreografia que presentifica um estado de imanência pela fusão entre corpo (o espaço que este ocupa enquanto dança) e canto. José Gil, filósofo e ensaísta português, assim descreve a dança: “Dançar é ‘não significar’, ‘simbolizar’, ou ‘indicar’ significações ou coisas, mas traçar o movimento graças ao qual todos esses sentidos nascem”. Enquanto dança, o primeiro disco de César Lacerda não é uma ferramenta de dar sentido, ele é o próprio sentido.
O movimento desse corpo-canção preenche lacunas espaciais e temporais com uma força e criatividade relativamente raras nos dias atuais, com desejos e relações subjetivas que se acoplam em desejos coletivos, criando uma estrutura lógico-cancioneira que ressoa nos quatro cantos da terra em forma de chamado natural. Unindo tradição e (pós)modernidade César chega a um posicionamento estético e existencial que está além do discurso vazio dos pedais, onde o lirismo serve como fio condutor que não apenas liga passado e presente, mas que também nos leva para o de-agora-em-diante.
No disco, César é acompanhado por sua banda afiadíssima (Elísio Freitas nas guitarras, Marcelo Conti no Baixo e Cláudio Lima na bateria), mais alguns grandes músicos convidados que trazem seus instrumentos para encorpar os arranjos, além de contar com participações de peso como Lenine e Carlos Posada. A produção ficou por conta de Elísio Freitas e teve a produção auxiliar do cada vez mais renomado Bruno Giorgi.
Sob uma estética do ajuntamento, indo na contramão do crescente isolamento entre o compositor e seu tema, “Porquê da Voz”reorganiza o que entendemos por sociedade e elo (seja ele entre pessoas, entre desejos e afetos ou entre o trabalhador e a terra), ignorando toda essa baboseira de “crise da canção”.
O tribal e o global dialogam aberta e livremente, diluindo territórios, difundindo cores enquanto gêneros se desmancham no coração de herói. Os atrativos são muitos, mas o nome é apenas um.
é a voz que decanta as possibilidades
de construção/reconstrução do real.
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