#Descubra poesia e percussão do pernambucano Danilo Marinho

Danilo Marinho

*Foto: Pablo Giraldo

Danilo Marinho é de Recife e vive há cerca de quatro anos em Barcelona, na Catalunha, com sua parceira catalana, Núria Such. Aqui, ele descobriu a potência das poesias que escrevia, da percussão que tocava e todas as intensidades de ser imigrante e preto em um país europeu. 

Ao lado de Núria, desenvolveu o projeto Natura, que traz essa mistura de palavras e sons em três línguas diferentes – português, espanhol e catalão. O resultado é um show de experiências sensoriais, um livro publicado em duas versões (impressa normalmente e feita à mão) e um disco, que acaba de sair em todas as plataformas digitais.

Esse primeiro lançamento crossmedia foi batizado “Tambores en El Silencio” e passou por palcos de Espanha e Portugal antes de ganhar forma de produto final. Do projeto, saíram ainda alguns vídeos que levaram a final em festivais audiovisuais.

A gente conversou com Danilo, que compartilhou suas dores, aflições e inspirações de uma maneira verdadeira e genuína com o nosso Jardim. Confira! 

Como foi chegar a terras espanholas para viver?
Foi estranho, era e é tudo muito novo. Saí do Brasil com uma sensação ilusória de que fora do país teria todos os meus problemas resolvidos. 

Como foi para você a inserção social e cultural?
Ainda é complicada. É um processo constante. Depois de quatro anos, ainda não me sinto 100% “admitido” nesta sociedade, mesmo sabendo que isso não acontecerá. Penso, a partir da minha experiência, é que muitas vezes sou tolerado, mas não aceito… Mas isso seria um tema para outro momento, né? 🙂 

Este trabalho que você acaba de lançar representa o que para você enquanto artista e imigrante?
Tambores en el Silencio em um espaço onde posso expressar-me livremente. Ou seja, nele, falo desde minha posição de pessoa imigrante, de homem negro que saiu de um bairro pobre, etc, sem julgamentos. E respondendo diretamente tua pergunta, eu diria que representa LIBERDADE, com tudo o que implica essa palavra. 

Escrever em outra língua acabou se tornando fluido para você? Como foi esse processo?
Que nada, foi fluido não. Vivi esse processo de uma forma nova para mim. Eu, por um instante, anulei minha identidade linguística para poder aprender a pensar e me comportar como outra pessoa, como um Danilo distinto. É um processo suicida na verdade, porque tu pode cair nessa armadilha e esquecer quem realmente você é e de onde veio. Sobretudo porque quando isso acontece, tu tem a sensação de que és finalmente aceito…. Só que não! 

Unir música, poesia e um pouquinho de teatro para dar muito certo no seu disco. Como funciona seu processo criativo?
Meu processo criativo é muito intuitivo, na verdade. Eu simplesmente busco espaço vazios e, quando me refiro a espaços vazio, estou me referindo a momentos de paz e tranquilidade, onde eu possa ter a cabeça vazia, o coração tranquilo para poder falar com amabilidade. 

Você aborda temas sensíveis em um momento sensível e em um lugar de fala potente. Como você enxerga toda essa relação?
Vejo como uma relação muito contraditória. Por um lado, vejo a sociedade atuar com muita agressividade e violência em todos os sentidos. Mas, por outro lado, me sinto num momento onde minha fala e comportamento vão na contramão de tudo isso. As coisas que eu falo nos textos têm seus momentos de assertividade. Mas tento falar com tranquilidade e transparência, mesmo quando estou bravo com o mundo. Ainda estou buscando um equilíbrio… 

Alguns de seus projetos audiovisuais ganharam espaço em festivais internacionais. Poderia contar essa história?
Eita! Tudo começou em 2019, quando Núria e eu fomos pra o Brasil de férias. Era agosto e as queimadas na Amazônia e em outros lugares do mundo como África e Austrália estavam arrasando com tudo. A gente, voltando pra casa e comentando sobre essas coisas, decidiu escrever um texto como forma de colaboração para conscientizar as pessoas sobre a importância desses espaços vitais do planeta. Escrevemos um texto e assim nasceu “Vientre Libre”.

  • Rome Video Music Awards: nas categorias experimental Music Video e Art Music video
  • Nature & Culture – International Poetry Film Festival
  • Duende Sessions Festival Barcelona
  • International Sound Future Awards (animação que abre o show)

Sem saber que era o nome de uma *lei relacionada aos filhos de mulheres pretas na época da escravidão, você escreveu Vientre Libre. Que força esse texto musicado carrega sobre sua ancestralidade?
Putz! Tudo. Absolutamente tudo. É um texto que me faz refletir e lembrar todos os dias que a natureza é a minha casa e, por consequência, tenho que cuidar. De qualquer forma. Nossos ancestrais viviam e mantinham uma relação com a natureza que fomos destruindo pouco a pouco. Alguns povos, sobretudo indígenas, resistem e mantêm esse equilíbrio entre humanos, humanas e a natureza. Esse texto, pra mim, carrega a força da memória, da história que escrevemos a cada dia. Das digitais que estamos deixando para futuras gerações. E isso é uma responsabilidade muito grande. 

*”A Lei do Ventre Livre (LEI Nº 2.040, DE 28 DE SETEMBRO DE 1871) foi assinada pela Princesa Isabel e promulgada em 28 de setembro de 1871, considerando livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir de então.”

Qual tema do disco mais mexe com você e por quê?
Êhhh….. Lelêee! Racismo. Simplemente porque é um tema que vivo diariamente. Por exemplo, faz um mês mas ou menos, fui participar de uma atividade teatral com um grupo de pessoas que não conhecia. Passamos um final de semana. No último dia de atividade, fizemos uma atividade super bonita, em que todos expressavam suas intimidades, etc. Quando já estávamos indo embora, uma das pessoas que participavam me disse: “aix! É que como tu é assim, grande e com cara assim, não sabia que tu tinha um coração tão bonito..”. Ou, por exemplo, na última apresentação de Natura, eu estava usando tranças no cabelo. Antes de começar, uma pessoa que estava no público e que me conhecia disse: “tu tá com menos cara de europeu, tá mais com cara desde quando tu chegou aqui”. Se lembra do início da entrevista, que comentei sobre as armadilhas da identidade? Pois aqui tá um exemplo prático. Quando cheguei na Europa, uma das primeiras coisas que fiz foi anular a minha identidade “Bárbara” ou estrangeira, para poder ser aceito aqui. É uma doideira. É uma espécie de “hipersexualização reversa”. As pessoas te vêem com aversão por não ser do lugar de onde elas são e por ser estrangeiro. Mas, ao mesmo tempo, sentem desejo e curiosidade pelas mesmas razões… 

Você também é um dos gestores de um espaço cultural em Barcelona. Como funciona esse espaço? Que propostas vocês trazem ao público?
O Espai Sagrerina é um espaço muito recente e novo aqui em Barcelona. Queremos ser um espaço sociocultural, interseccional, antiracista… É um espaço ainda em construção. E, quando digo em construção, me refiro a que ainda estamos pintando parede, acabando instalações elétricas, isolamentos acústicos, etc. 

Queremos oferecer um espaço versátil, onde as pessoas possam se sentir cuidadas e em casa. Rapidez pra gente não é uma palavra de ordem. Com isso, atualmente, estamos oferecendo oficinas, exposições, show, seminários e conferências, espetáculos teatrais, recitais de poesia. Queremos oferecer um espaço polivalente. Compartilhamos “apartamento” com a Nau Bostik, um espaço de referência em difusão cultural em Barcelona. 

Quer compartilhar algo mais? 
Unicamente te agradecer por abrir esse espaço de troca e reflexão. Cada dia se faz mais importante e mais necessário poder compartilhar espaços assim. Brigadão! 

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Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.