Di Souza Traz de Volta Humor e Irreverência à Música Brasileira

Di Souza Traz de Volta Humor e Irreverência à Música Brasileira

foto de Ceres Canedo

Fazer alguém chorar e se emocionar parece às vezes brincadeira de criança perto da missão de fazer alguém rir. Desde a era Los Hermanos a música brasileira acostumou a se utilizar de um humor mais contido e até mais cabeçudo (compositores pareciam brigar para ver quem seria o David Foster Wallace da canção). Talvez ainda estejamos vivenciando a nossa era dos extremos na música. De um lado, os sisudos indispostos a mostrarem os dentes e que precisam explicar as próprias piadas; do outro, aqueles que apelam para um tipo de gracejo que, por ser forçado demais, acaba soando sem graça nenhuma.

Por sorte, esses extremos vêm sendo diluídos e o bom humor, bom enquanto adjetivo parece encontrar mais uma vez algum espaço. Não falo daquele tipo barato, raso. Falo daquele que faz pensar, que questiona e ironiza sem ser pedante. É preciso inteligência para não cair em clichês (principalmente no clichê de não querer parecer clichê) e foi com inteligência, emocional e cognitiva, que “Não Devo Nada pra Ninguém” foi construído.

Di Souza é um nome recorrente no cenário da atual música mineira. Depois de se apresentar como instrumentista ao lado de diversos grupos importantes, o mineiro mostra seu lado multifacetado de compositor e arranjador em seu primeiro disco solo. Cheio de minúcias e de ótimas sacadas, o debut de Di Souza faz o resgate de algo que estava faltando na música atual: a irreverência. Passando bem longe da palhaçada ou da infantilidade, ele conseguiu aliar bom humor e ironia em arranjos bastante inteligentes e por vezes inusitados. Se eu precisasse compara-lo a alguém, esse alguém seria ninguém mais ninguém menos que Tom Zé. Não pela figura excêntrica, mas pela sensibilidade e brilhantismo na hora de tratar temas complicados ou de desenhar o cotidiano como o talento de um Rothko.

As cores, as texturas, a intervenção de vozes que correspondem a personalidades que poderiam ser de qualquer um de nós. O fofoqueiro, o cobrador, o apaixonado que sofre em silêncio, o acometido por súbita dor de barriga, o devedor, o pássaro trancado na gaiola da tonalidade. Todos nós – retratos de humanidades mais que possíveis – desenhados com maestria pelas mãos de um habilidoso artista que experimenta por gosto e necessidade, não para provar que pode. Aliás, para além do enredo do próprio álbum, o que fica claro é que Di Souza realmente não deve nada para ninguém como compositor, arranjador, cantor e instrumentista. Nem para o já citado Tom Zé.

O disco, financiado por crowdfunding, reúne uma verdadeira constelação de estrelas da nova música mineira. Gente que, assim como o próprio Di Souza, não deve nada para ninguém quando o assunto é talento e criatividade. Sopros inspirados se destacam em meio a uma enorme gama de instrumentos. É solo, mas também é coletivo. É carismático, mas tem profundidade.

Um disco para ser ouvido, re-ouvido, tocado, estudado, indicado. Um trabalho que dificilmente passará em branco e que entre tantos “melhores discos”, faz a diferença por ter o frescor e a leveza necessária para que a música continue a ser um exercício de phronesis, e não apenas mais um veículo para ideais estéticos, políticos e financeiros. Desconheço ato mais anárquico que o sorriso. Se o amor salva, o bom humor liberta. Saber rir dos desafios sem apelar é uma virtude.


Capa

Artista/Banda: Di Souza
Álbum: Não Devo Nada Pra Ninguém
Ano: 2015

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Escritor, jornalista e editor. Responsável pela curadoria de conteúdo do Jardim Elétrico.