Exclusivo: Entrevista Com Leo Cavalcanti

Exclusivo: Entrevista Com Leo Cavalcanti

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Produzido em parceria com o músico Fabio Pinczowski, “Despertador” (2014) teve suas canções compostas ainda em 2012 durante o período de turnê de seu primeiro álbum “Religar”, mas só pôde passar pela experimentação em conjunto enquanto Leo Cavalcanti participava de uma residência artística na Alemanha, onde se propôs a tocar apenas músicas inéditas. Após seu retorno, foram convidados para compor a banda os músicos Samuel Fraga (bateria), Guilherme Held (guitarra) e Marcos Leite Till (baixo e sintetizadores). É uma obra universal devido ao seu tema e à sua forma e pode ser classificada, segundo seu autor, como pop intergaláctico.

Despertador

Leo Cavalcanti é um mensageiro que fala diretamente conosco logo quando se inicia a primeira faixa: Levante! É um convite para despertar a consciência sobre si e sobre o mundo e, ao mesmo tempo, é um convite para dançar. Com a presença constante do pop e do eletrônico em suas 10 faixas, contando com sintetizadores que participam ora do plano climático, ora do plano rítmico, o álbum é de fácil acesso para os ouvintes por conter arranjos com ritmos dançantes conhecidos por muitos corpos. Somando-se às batidas eletrônicas, as letras são trabalhadas de modo simples e direto e, muitas vezes, nos intimam a participar dos jogos de ações das músicas pelo uso do imperativo ou pela construção de diálogos pelo uso de “você”, que não é alguém em particular, mas, nós, seus ouvintes.

Os mais sabidos há muito já compartilham o conhecimento sobre a dificuldade de se criar algo simples, mas de conteúdo de fino valor. “Despertador” é o exemplo disso. É de se acreditar que não é a toa que Leo Cavalcanti opta pela simplicidade, pois, assim é preciso para que um número maior de pessoas seja iluminado pela realidade de seu universo, que não é um universo particular – e aqui lhe devemos nossa admiração e respeito – mas o nosso universo interior, bem como o que nos circunda.

É uma doação pela arte. É uma devoção ao amor. Ele elabora uma obra musical pela qual é sugerida uma transformação pessoal e espiritual no ouvinte ao apresentar em suas letras os valores de igualdade e liberdade, o desapego ao material, a anulação do ego que, uma vez conquistada, nos faz alçar voo e gozar. São planos cósmicos aos quais se chega pela leveza do espírito e pela fé no amor por si só. Não é em nome de nenhum ser divino que o mensageiro nos dirige a palavra-ação, segundo ele “cê chega lá porque então cê é um deus”, a hora é aqui e é agora, a transformação é real e “ ninguém nesse planeta vai escapar” Se já possui a chave para as portas da percepção, terá livre acesso à esse universo, caso ainda não tenha, esteja aberto ao despertar.

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Jardim Elétrico – Você poderia falar um pouco sobre como foi o processo de criação e elaboração de seu novo álbum?

Leo Cavalcanti – Foi um processo mágico, fluido, que me surpreendeu.

Pois quando comecei a gravar, não tinha muito definido . Apenas tinha um repertório, alguns caminhos sonoros e desejo de fazer um trabalho novo.

No Religar, foi o contrário: desde o inicio já sabia o nome, fiz praticamente todos os arranjos, sabia bem como queria o resultado final.

E de fato, para esse disco, eu queria era não saber: queria ficar mais permeável, para que o processo revelasse por sí só o que ele seria.

Queria estar mais solto, sem tentar controlar tanto o resultado. Pois, como sou cantor, compositor, arranjador e produtor de minhas músicas, por vezes tendo a centralizar a criação. Neste, quis tentar criar em conjunto.

Tudo começou em 2012, o final da turnê do meu primeiro disco foi um momento muito fértil de composição para mim. Compus muito, em um curto espaço de tempo. Pensei em até gravar um disco duplo.

Muitas músicas que escrevi alí, foram importantes para me reerguer de uma época muito dura em minha vida, onde passei por grande tristeza e confusão.

No começo de 2013, fui convidado para realizar uma residência artística na Alemanha por 3 meses. Lá, fiz diversas performances e shows. Foi maravilhoso. E me propus a fazer lá um show só de músicas inéditas. Serviu para eu testar algumas dessas músicas novas e selecionar um grupo delas, que acabaram entrando no ‘Despertador”.

Quando cheguei no Brasil, tinha um repertório mais ou menos delimitado. Mas sem saber como gravaria. Foi aí que comecei a trocar figurinhas com o Fabio Pinczowski. A gente tinha tocado juntos em alguns shows (um tributo em homenagem ao Paul McCartney). E ele me falou do estúdio dele aqui em São Paulo, o 12 Dólares, e da possibilidade de levar os equipamentos de lá pra gravar num sítio.

Em paralelo fizemos uma experiência de trabalho em conjunto e deu muito certo: a gravação de “Hotel das Estrelas”, faixa do mestre Jards Macalé, que entrou no disco “E Volto Pra Curtir” disco-releitura do disco do Macalé de 72, organizado pelo Marcio Bulk do site Banda Desenhada. Fiquei muito feliz com essa experiência. O trabalho fluiu muito bem. Foi aí que tive a certeza de que deveria fazer esse disco com o Pinc.

Ele deu a ideia de gravarmos num sítio, com a banda junto. Topei na hora. Foi me ocorrendo a ideia de trazer a sonoridade dos sintetizadores para o disco. Baixos Synths, e timbres que dessem abertura para um Pop com “pressão”, assim com para momentos mais psicodélicos.

A banda ficou 3 dias no sitio. Eles não se conheciam entre sí e mal conheciam as músicas. Por um “milagre”, nesses 3 dias conseguimos tirar as músicas, arranjá-las, e gravá-las. No total, 8 das 10 músicas presentes no disco.

70 % do disco foi gravado em 3 dias. O resto demorou quase 2 meses, em sessões aspergidas. Esse resultado surpeendeu a todos. É aquele tipo de mágica que ninguém pode prever.

Só Digo Sim

Jardim Elétrico – Você observa alguma relação ou influência de sua residência artística na Alemanha na sonoridade presente nas músicas do “Despertador”?

Leo Cavalcanti – Esta viagem para a Alemanha foi importante em muitos sentidos.

Uma espécie de aquecimento para a gravação do disco, meses depois.

Além do encontro com muitas formas de arte, e da interação que tive com artistas de várias áreas artísticas, criando performances em conjunto com eles, fiz também muito shows por lá, e eles serviram também para testar algumas músicas novas e consolidar um repertório que me deparei com vontade de gravar.

Também me fez repensar o que quero com a arte, e de que maneiras posso expandir meu trabalho. Por lá, ouvi nas rádios e nas festas música eletrônica experimental local e também música dos Bálcãs e turca, tanto tradicional quanto psicodélica, que adoro.

Minha vontade de aprofundar no uso de sintetizadores, que já existia antes, só se consolidou lá na Alemanha. Além de ouvir coisas de música eletrônica por lá, boa parte dos shows que fiz lá foi com uma formação que utilizava sintetizadores (fazia uma dupla com Gabriel Spinosa, músico brasileiro que também fez a residência).

Também gravei um clipe de “Get a Heart”, (a única musica em inglês do disco), em Berlim. Vamos estrear muito em breve.

Jardim Elétrico – Como você enxerga o movimento da nova cena musical da MPB?

Leo Cavalcanti – Vejo muito conservadorismo, mas também muita gente fazendo música sem medo de arriscar, de criar sua própria linguagem e sua própria realidade musical, sem necessidade de se deter em gêneros. Construindo sua própria história. Tem muita gente fazendo trabalhos incríveis, cada vez mais. E essa diversidade realmente me interessa. É o que torna a cena mais rica. Cada um com a sua maneira de dizer o que diz.

Jardim Elétrico – O que de renovação esses novos artistas trazem?

Leo Cavalcanti – Dentro daqueles que sinto algo realmente original e autêntico: vontade nenhuma de se enquadrar em nenhum rótulo pré-concebido. Liberdade para brincar com a música do jeito que lhe convir.

Isso, considero eu, é condição primordial para arte surgir.

Sonho Parasita

Jardim Elétrico – Sobre os elementos da música eletrônica presentes no seu novo álbum: você citaria músicos aos quais ouviu que trabalhassem seus arranjos com a fusão do eletrônico e possam ter lhe influenciado? 

Leo Cavalcanti – Minha inclinação tem sido de produzir música com uma sonoridade pop, mas com profundidade, algo que seja dançante e contemplativo ao mesmo tempo. Para a pista e para os sonhos. Que trace uma integração entre sonoridades eletrônicas e acústicas de forma que os dois virem a mesma coisa.

Não iniciei esse trabalho buscando por referências a algum trabalho autoral. Lido com os elementos que me interessam no momento, e a partir disso acaba ocorrendo a mistura que resulta no som que eu faço. Não existe preocupação em me enquadrar em algum gênero, ou me relacionar a algum trabalho já existente.

Mas é claro, tudo o que ouço, me influencia. Ano passado, quando gravei o disco, estava ouvindo (e até hoje ouço, muito) desde sons mais psicodélicos, como Tame Impala e Animal Collective (que o Marcos Till, da banda, me apresentou), à praias mais pop e r&b, como Justin Timberlake e Alicia Keys. São trabalhos que fazem as fronteiras se perderem, entre o sintético e o orgânico, e isso muito me interessa. Também ouvi muito Fiona Apple e Little Joy. Musica turca e dos Bálcãs nas festas que fui na Alemanha. Musica eletrônica experimental nas rádios de lá. Meus clássicos do Stevie Wonder e João Gilberto. Chet Baker que sempre me acompanha. Abraçaço do Caetano e Recanto da Gal.

Ravi Shankar e o new age de Snatam Kaur e Krishna Das. Musica meditativa. Percebo agora que ouvi menos música brasileira em 2013…

Sua Decisão (Ser Feliz e Contente)

Jardim da MPB – Qual o efeito você espera observar em seus ouvintes, uma vez que selecionou músicas de temas sobre a espiritualidade, o autoconhecimento, e a coletividade?

Leo Cavalcanti Não espero observar algum efeito especifico nos outros, provocar alguma reação. Não é desta maneira que crio o trabalho que faço. O trabalho que faço tem que fazer sentido pra mim, senão não faz sentido nenhum. Nao crio pensando no que os outros vão achar.

Também não me proponho a falar sobre espititualidade e autoconhecimento como se fizesse apologia a algo. Isso acontece naturalmente porque são temas presentes em minha vida. Não é algo que é planejado. Simplesmente acontece. E é algo que me faz bem, uma questão individual, interna.

Acredito que, se algo faz bem pra gente verdadeiramente, consequentemente pode fazer bem para o outro.

Portanto, quando percebo que a pessoa se conectou com o trabalho que faço, como tantas vezes vejo acontecer, de maneira transformadora, é como se algo se encaixasse, algum ciclo se completasse. É um retorno pelo qual sinto-me imensamente grato.

Agora, é impossível controlar o que os outros vão achar. Sei que tem gente que não gosta do trabalho que faço, que não se identifica e/ou se sente incomodado. Acho isso muito natural, e inevitável. Isso tem sua beleza também. E está fora do meu alcance – ainda bem.

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Estuda música desde os 13 anos, desenvolve pesquisa na área da música independente , produtor de bandas de diversos estilos e compositor de trilhas sonoras.

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