Frederico Heliodoro e A Lucidez Onírica da Canção

Frederico Heliodoro e A Lucidez Onírica da Canção

Quando Frederico Heliodoro me contou que iria lançar um disco só de canções eu entrei em choque, porque não fazia a menor ideia do que poderia vir de um trabalho assim. Com uma sólida e respeitada carreira no jazz e na música instrumental brasileira (até o momento são quatro discos dedicados apenas a elas, nos quais o jovem e premiado contrabaixista mostra todo o seu talento como compositor e instrumentista, além de técnica impecável), tenho certeza de que não foi só a mim que ele pegou desprevenido.

Fred também é filho de Affonsinho, outro nome de peso na canção nacional e exímio guitarrista, o que me trouxe mais uma preocupação: e se ele acabar apenas soando como o pai dele ou muito próximo disso? Felizmente, toda essa tensão foi dinamitada pelos reverbs, arranjos quase oníricos e letras inteligentes, sensíveis e com personalidade própria, transformando-se ao final em um grande sorriso de satisfação e encantamento quando enfim pude ouvir as dez faixas que compõem “Acordar”.

A atmosfera do disco é ao mesmo tempo intimista e aconchegante. A guitarra de Pedro Martins, que vem ganhando cada vez mais destaque depois de sua arrebatadora apresentação no 49º Montreaux Jazz Festival, faz climas densos e amenos conviverem harmoniosamente sob a sua técnica impecável, enquanto o baterista Felipe Continentino, outro grande nome do jazz nacional, se mostra bem presente na tarefa de construir um álbum capaz de se transformar em uma nave supraestelar que leva o ouvinte para mundos interiores quase intocados no espaço sideral que fica dentro da gente.

O baixo de Fred soa bonito, suficiente e limpo, a mostrar toda a noção que ele tem da importância do silêncio, um elemento que vem sendo cada vez mais negligenciado. Sua voz também é suave, bonita, uma faceta a mais para a sua já extensa lista de qualidades musicais.

Nos dois últimos trabalhos, “N.A.P.A” e “Verano”, é perceptível o uso do vocalise como forma de explorar timbres, o que os tornou discos gostoso de ouvir por ter aquelas bonitas melodias enfeitando arranjos bastante técnicos. Em “Acordar” esse elemento bonito e agradável é esticado até próximo do inimaginável, tornando-o gigante.

“Acordar” é um disco difícil de rotular, e isso é ótimo. Alguns vão dizer que é o pop, outros dirão que é um trio de jazz tocando algo que soa como post-rock e outra parcela do público assumirá que não faz a menor ideia do que se trata.

O que fica claro é que o primeiro disco de canções de Frederico Heliodoro é um pedaço do seu íntimo que se conecta também com nossa intimidade, com essa constante busca por algo indizível que flutua no fundo de cada um de nós, único e particular. Enfim, “Acordar” faz jus ao nome e nos leva pela terra dos sonhos até o momento em que os olhos se abrem, deixando o mundo todo mais agradável como conseqüência desse passeio.


capa

Artista/Banda: Frederico Heliodoro
Álbum: Acordar
Ano: 2015

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Escritor, jornalista e editor. Responsável pela curadoria de conteúdo do Jardim Elétrico.