Leo Middea – Vicentina (2020)

Leo Middea - Vicentina (2020)

“Cadê o Altério? Chama lá ele, Paulinho”. Esse é o clima do disco novo do Leo Middea. “Vicentina” abre em ritmo de festa na maior vibe Caetano Veloso e com a “Divina Certeza” de que o artista cresce a cada projeto. E não foi fácil. Não tem sido, nunca foi. Para pagar o estúdio de gravação em Portugal, ele saiu às ruas e pediu um euro por pessoa que encontrasse, até juntar o necessário para dar corpo ao trabalho. Em São Paulo, tudo certo com a parceria da Gargolândia, de onde só sai coisa boa pelas mãos do Rafael Altério.

Na produção, a amizade e amor do pisciano mais fofo da música brasileira, Paulinho Novaes. Na capa, esta que vos fala peladinha ao lado de outros amigos que não pestanejaram antes de tirar tudo em meio ao vento gelado de uma montanha portuguesa, tomar uns bons goles de vinho e atuar. Tudo pela música do Leo, que consegue devolver em igual entrega uma mistura de sentimentos entre o calor do Rio de Janeiro, a calmaria de Lisboa e o frio gélido de Praga. É na vibe Caetano que ele começa. É na vibe Novos Baianos que ele cria. É no sangue Simonal que ele atua. Mas ele é o Leo – o cara que sabe todas as músicas de Sandy Junior, era fã de Eminem e Linkin Park e, de alguma maneira orgânica e ancestral, absorveu toda a riqueza de uma música brasileira sem a arrogância daqueles que o tentam e não conseguem.

O passeio por “Brasília” começa numa bossa singela e parte para os vocais na pegada bailinho contagiante de uma maneira tão fluida e fácil de assimilar, que dá vontade de sair rodando no poste em dia de chuva. “Mãe”, que um dia chamou “Casa”, já está na minha playlist mental há pelo menos dois anos. A música mostra um amadurecimento sutil do cantor – quando ele entende que casa é onde o coração bater e mãe é pra onde ele sempre volta. Delicada, forte, real. Aquele tipo de composição após um dos telefonemas intensos de “o que você está fazendo?”. De arrepiar cada pelinho. Mas é “Sorrindo Pra Saudade” que ele segue o caminho – a tal da música mais ouvida do disco, aquela do tarô, que marcou pessoalmente também a minha vida, no dia em que foi composta. Obrigada, Léo. Por tudo. Pelo muito.

“Ca, Nina” é carne. É corte sem cicatriz. Cicatriz que não fecha. Mas abriu caminho para “Eu o Rio, Leste”. E lembro do dia que eu disse: “só vai. Se não der certo, você volta”. Que bom que foi, que bom que voltou. Que bom que a história seguiu o fluxo que deveria seguir – e que o amor não morre, só se transforma. “Amar All” é luau. O disco conseguiu trazer cordas bem colocadas e metais em uma medida tão cirúrgica, que nada sobra. A melodia é carregada pelos arranjos de maneira sincera e orgânica. Ninguém força a barra. Neste trabalho, as coisas só acontecem. Elementos vêm e vão neste construir coletivo, incluindo os amigos que apoiaram – assim como o descrito em “Rua de Angola 7”.

São muitos “Romances” (que traz participação do português Janeiro) – entre pessoas, amigos, cidades. Entre a própria mente e o coração. Afinal, não são as estórias que criam história? “Lua Lua” é batuque, é dança, é ciranda. Porque o amor pára o tempo no meio da pressa. “Bairro da Graça”, uma homenagem a um dos lugares favoritos de Portugal, já tinha sido lançada com um belo clipe dirigido por Rita Grazina. É na faixa que ele conta, despretenciosamente: “eu me interesso por cantar”. “Vento Bordeaux” vai do Beco das Garrafas à Fundição Progresso em poucos segundos, mostrando como Leo consegue unir o velho e o novo carioca em uma sonoridade que não passa despercebida. E o disco chega ao fim. Ainda em clima quente. Um carnaval que canta o coração quebrado, mas festeja mesmo assim.

 

Share Button

Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.

Recommended Posts