“No meu peito” – imersão profunda ao fantasioso mundo da Luneta

“No meu peito” - imersão profunda ao fantasioso mundo da Luneta

No final do século XIX a transição entre a terceira geração romântica e o realismo era o que “bombava” no cenário cultural brasuca. Em meio a essa transição, com literatura pautada em denunciar as desigualdades sociais da época, um certo Joaquim Manoel de Macedo publica “A luneta mágica”, primeiro romance fantasia brasileiro. No enredo do livro, a Luneta em questão, inicialmente tem o poder de fazer enxergar apenas o “mal” nas pessoas, já num segundo momento, apenas o “bem”. Por fim, surge a luneta do bom senso, expondo uma maneira de bem viver em sociedade.

Uma excelente maneira de recontar a fábula publicada há dois séculos é através de “No meu Peito”, segundo álbum da banda amazonense Luneta Mágica. Produzido por Diego Gonçalves de Souza, também responsável pela gravação junto com Beto Montrezol nos Estúdios Supersônico (Manaus) e Invern (São Paulo), mixado por Beto Montrezol e masterizado por Fernando Sanches, Estúdio El Rocha (São Paulo) o álbum possui 11 faixas que esbanjam a evolução do processo criativo da banda.

Trata-se de um compilado de músicas que arrebatam os ouvidos mais atentos. Seja pela letra ou melodia o ouvinte é tomado por um estímulo maior que o auditivo, o corpo todo reage à força e franqueza das canções que têm o potencial de nos fazer imergir.

A faixa homônima abre “os trabalhos” em versos que lembram reza de benzedeira postos em uma mesclagem de balada com psicodelia:

 “vento, leva todo sofrimento
leva todo mal de dentro
leva o que não cabe mais, lamento
dentro da mesma canção.”

Essa “bença” abre caminhos para chegada de “Lulu” (resista ao “pa pa ra ra, Lulu” se for capaz) faixa que ganhou um videoclipe lindíssimo onde a atriz Hamyle Nobre faz uma “Lulu” esplendorosa, radiante e feliz com seu ritmo único. Efeitos e arranjos merecem destaque por serem muito bem executados e “no lugar certo, na hora certa”. Em “Só depois”, na dançante “Sem perceber” e em “Tua presença” – que remete a obras do tecladista britânico de rock progressivo Rick Wakeman – a “viagem” salta aos ouvidos.

Lançado a pouco mais de 1 ano, “No meu peito” ainda reverbera no cenário independente, também pudera. O trabalho possui características tão fortes e singulares que conquista até mesmo os indiferentes ao gênero proposto. E como será que se dá isso?

Assim como a do século XIX, a Luneta agora em questão parece ter o poder de ampliar o “lado bom” em cada gênero musical pelos quais se influencia. Em entrevista ao site Palco Alternativo a banda, hoje formada por Pablo Araújo (vocais e guitarra), Erick Omena (guitarra e vocais), Eron Oliveira (bateria) e Daniel Freire (contrabaixo), afirma ser eclética e tentar incorporar às suas músicas tudo o que gostam, independente de gênero.

Curtem Caetano, Roberto Carlos, Jorge Ben, Novos Baianos, Beatles ,Kinks, Beach Boys, Motown, Neil Young, Velvet Underground, Kraftwerk, Talking Heads etc,… mas afirmam “se estiver tocando uma música legal da Miley Cirus no rádio a gente ouve também. “Após ampliar o “bom” em cada gênero, a Luneta musical o utiliza em uma base alternativa, eletrônica.

Hospitalidade e inclusão cultural são característica comuns ao amazonense (e brasileiros em geral), ao menos alguns de nós, claro. Essa hospitalidade e boa receptividade também se manifestam através das letras. Caso esteja em comemoração escute “Rita”, “Lulu”, “Mantra”, “Acima das Nuves” e se joga. Caso contrário ouça “Só depois”, “Lembra”, “Preciso”, “Tua presença” e sinta-se acalentado.

A grande repercussão positiva do trabalho surpreendeu os integrantes da banda. Em entrevista ao site D24am (http://new.d24am.com/plus/musica/repercussao-nacional-2015-inspira-novo-luneta-magica/145089) o guitarrista Erick Omena analisa esse destaque como importante ferramenta para “destacar o Amazonas no mapa econômico-cultural do Brasil. Os próprios amazonenses têm costume de achar que o que é de fora é melhor, porém, o ano de 2015 foi bem intenso para a cultura no País como um todo e nosso Estado não ficou fora disso”.

Ao assumir, mesmo que involuntariamente, características muito citadas na descrição do amazonense, a Luneta Mágica ultrapassou o muro da periferia cultural do país, bem como combatiam os “agitadores culturais literários’ que transitavam entre a terceira geração romântica e o realismo, superando a desigualdade sócio-cultural da atualidade.

Seria, igualmente, um enredo fantasioso? A banda já mostrou competência mais que suficiente para provar que não.

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aspirante a jornalista, curiosa, movida pelos sentidos que a arte produz, menina mulher da pele preta.

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