Portas abertas para “Ínsula”, da banda paulistana Atalhos

Não é qualquer atalho que deveria ser ritual. Penso que o caminho foi feito para ser respeitado, como um todo, e entender que vale a pena a jornada, mesmo que longa. Mas a banda Atalhos deveria ser ritual diário, como mantra ou guardiã, de quem tem vontade de esticar os ouvidos para degustar música, como se pousasse no céu da boca e fizesse estalo a cada nó de saliva, a cada dó ensaiado.

Mal comecei a escutar uma voz forte e ponderada – primeira aproximação do som que era desconhecido até então – e já queria saber cantar como o vocalista Gabriel Soares. Quando ele dizia, solene: “Quando você me ligou e disse olha/Meu amor, estraguei tudo”, senti vontade de perguntar se existia essa pessoa, se era real, ou se a música “Ínsula” seria uma daquelas brilhantes apropriações de poema posto em canção. São frases que imaginamos sair de várias bocas, em diferentes situações. Apenas sem a delicadeza da descrição que a banda consegue colocar.

Percebi que era um amor fadado ao fracasso, ou quem sabe só possuía mágoa de sobra. O clipe, lançado em 2015, é em preto e branco e dá o tom melancólico, sem arestas ou pontas duplas. Pode até ser aquelas histórias de amor que não deram certo, mas é cantado e feito da maneira mais bonita.

O disco “Onde a Gente Morre”, segundo álbum da banda paulistana, é descrito tendo um clima intimista e acolhedor. O clipe da música “Ínsula” cumpre essa razão. Preso aos detalhes, mãos, rostos e sombras são enquadrados, ocupando maior parte da tela. Cortes como as notas do violão e cabelos cobrindo parte do rosto ficam em primeiro plano, primeiro lugar. Nada além daquele espaço e das cordas parecem ser tão importantes. O som é refinado, como se tivesse sido conduzido com antecedência fora do normal, ou pelo menos buscasse certa pureza, graça. O clipe lembra algum filme francês por sua leveza, ou quase todos que tenha visto: o tempo do discurso reside na tela pelos minutos que forem necessários para causar esse efeito. Quanto a mim, aquela voz do começo ganhou espaço e fez tentar cantar a mesma letra, pausadamente, e me questionar, por que nunca aprendi violão mesmo?

Atalhos é a trilha sonora de uma vida, feita pra cantar na chuva, para fechar os olhos e tentar voar, guiar o carro por estrada desconhecida, ligar para o motivo da aflição – de madrugada. Atalhos é como uma bebida de gosto apurado, especialmente curtida para uma ocasião importante. Ínsula chega a ser um insulto de tão bonita. Aí vem o baque. Quando os instrumentos continuam a tocar mais brandos, depois da voz dar uma pausa, perto de um final qualquer, é inserido um rock mais forte, mais dançante, no tom de surpresa boa. A guitarra grita mais alto e mostra o outro lado do arrependimento antigo da letra. Sensações de perda e dor ainda residem ali, de alguma forma e causam transe, como toda boa canção.

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Mariana é de gêmeos, capixaba e jornalista, não necessariamente nessa ordem. Está em dúvida se gosta mais de ler ou de escrever. Espero que nunca descubra.

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