Valsa Binária Lança 10: Disco Cerebral e Debochado Que Evoca a Criança Radiosa e o Adulto Melancólico

Valsa Binária Lança 10:  Disco Cerebral e Debochado Que Evoca a Criança Radiosa e o Adulto Melancólico

Imaginar uma situação, não raro entendida como irreal, é uma tarefa imortal do contador de histórias. E é também sua função contar fatos vívidos e vividos, floreando uma parada aqui, sujando qualquer coisa ali… Tudo que possa tornar a experiência de sua plateia inesquecível! A tradição propõe sempre um local físico como sede da história — um castelo, um quarto sujo de motel, um pesqueiro abandonado — que eleva a cena a um reino bizarro ou encantado.

Mas quando essas histórias partem não necessariamente de uma vivência real, mas do olhar reflexivo de alguém para determinadas situações, a viagem senhores, é outra. Um mundo inteiro a ser explorado te engole, ficando impossível localizar-se geograficamente e dizer: – virem à esquerda e encontrarão a saída.

Porque uma vez que inicia-se a exploração nesse mundo das ideias, algum dedo celestial aperta o start e inicia-se também o difícil jogo de pensar e voltar ileso pra casa.

A banda mineira Valsa Binária é o contador de histórias da vez e ilustra com excelência essa teoria alucinada. Formada em 2009 e composta por Leo Moraes, Danilo Derick, Rodrigo Valente e Salomão Terra, vêm fazendo nome na atual cena de música independente de Minas. Ao todo, são dois discos e um EP.

Seu segundo disco denominado 10, lançado quatro anos após o primeiro, carrega consigo letras que brincam com o humor e a reflexão, a crítica e a piada inteligente. São letras de filosofia de boteco, girando em torno do homem emergente, cujas ações ninguém sabe se é decadência ou renascimento cultural. São um furo no cotidiano, um olhar com lupa.

A sonoridade é sobretudo experimental. Matéria e abstrato que se esfumam em imagens, num fluxo acelerado. È versátil, de personalidade nitidamente inimiga do comum, pois traz um ar de invenção, de solo ainda não pisado. Ouvidos que buscam timbres confortáveis não se sentirão muito ”em casa’’ nas primeiras faixas. O que pode mudar exatamente da metade do disco em diante, onde alguma espécie de intimidade pinta pelo horizonte. Com melodias cadenciadas e inventivas, as canções esbanjam uma certa agressividade aconchegante. Uma coisa é fato: o disco é intelectivo e faz o cérebro girar com melodia e chiado, na vitrola.

A canção “Receita”, faixa 1 do disco, é uma sátira para o fútil que ameaça encarnar hoje estilos de vida niilistas, vazios. Traz a ausência de valores e de sentido para a vida e afirma com convicção: “Reduzir a vagina, clarear o butão / é necessário, é necessário”; Em ”Céu de Abril” o conselho é objetivo: existir e ver beleza nisso, com a sabedoria de um monge praiano. Usufruir das suas, somente suas experiências – únicas e intransferíveis; Na faixa de número 3, ”Dona De Si”, a canção vem com um princípio esvaziador, diluidor. Motivada pela saturação de um possível sonho frustrado, a protagonista desenche, desfaz princípios, regras, práticas, realidades e mergulha em si mesma, já não se importando com a solidão; “Melhor Que Sou” mostra a influência que a dita pessoa certa exerce sobre o personagem: “E por seus olhos vi melhor / Me vi muito melhor / Me vi muito melhor que sou”; Na quinta faixa “Vou Correndo”, dando adeus a certas ilusões, o questionamento sobre o tempo faz o homem moderno, que já sabe que não existe céu nem sentido para a história, se entregar a fé, seja ela qual for; A faixa “A Esquina”, é um conflito entre a pressão de se fazer o que preciso e o que simplesmente se quer fazer, olhar adiante para manter-se em paz com seus próprios ensejos e instantes; “Desinventar” é uma declaração de amor legítima! “Quis” conjuga verbos entre querer, ouvir e saber. Traz o presente questionando o passado. É uma canção reta, sem muitos enfeites; “Nuno Nu” é extremamente desapegada, descolada. E por fim, como uma espécie de marchinha circense, “O Palhaço” traz o adulto choroso de ar infantil que fala de um cotidiano infeliz mascarado.

Com cores complementares e que formam uma espécie de poster-bomber noventista, a capa de 10 mostra o bom gosto e também a preocupação que a banda tem em afinar imagem e som, de forma geniosa.

Em resumo, o disco é um misto de romance cômico com romance visionário, que possuem a falta de explicitação em comum. Quando as pessoas falam revelam a si mesmas e os mais sensíveis captam essas revelações e as transformam, uns e outros, em música. Valsa Binária é o tipo de banda que possui os ouvidos atentos pelo que se passa ao redor.

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Lua Palasadany é fotógrafa, atriz, mochileira boêmia e amante latino. Latino mesmo. Um tanto masculino. E é de bar em bar, que escreve sobre música e para a música.

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