Você não precisa de cura. Você é a cura.

Você não precisa de cura. Você é a cura.

Nesta terça-feira, mais um retrocesso acontece no Brasil. Triste sim. Mais triste ainda não ter sido uma surpresa dados os acontecimentos mais recentes. Há algum tempo, a psicologia era proibida de realizar terapias de reversão sexual. Agora, a “Justiça” aprovou uma liminar que permite o tratamento. Em resumo, ser homossexual virou doença passível de “cura”. Em primeiro lugar, gostaríamos de deixar claro que o Jardim Elétrico é contra toda forma de censura e opressão. Mais do que isso, é a favor de toda maneira de amar e se relacionar. Por isso, reunimos algumas pessoas para falar sobre o assunto e compartilhar suas próprias experiências.

É um retrocesso, daqueles mais grotescos. Você mora neste país, que permite censurar uma exposição porque um movimento totalmente conservador disse que o meme “criança viada” é apologia à pedofilia. Você vive aqui, na cidade que movimenta uma grande parte do PIB brasileiro e, paradoxalmente a esse avanço, mata uma pessoa com lâmpadas na principal avenida da capital, porque ela deita com pessoas do mesmo sexo.

Você assiste, todos os dias, a alguém que foi espancado por causa do ser humano com quem transa. Você caga regra pra tudo, se coloca em estado superior usando uma coisa sagrada – essa energia cheia de amor e luz que a maioria denomina Deus – para validar seu argumento sem pé nem cabeça. O meu Deus, que não tem forma física ou gênero, ensinou a amar uns aos outros. Ele não castiga alguém por conta de seus amores. Meu Deus prega o amor acima de tudo. Olho pro céu, sinto o vento e sei que Ele está me dizendo para seguir em paz. É esta a paz que você quer? Você quer que seu filho tenha medo de ser quem ele é, descobrir-se e seguir adiante com a tal da felicidade?

Que lugar é esse onde as pessoas precisam viver vidas inventadas pela moral… Onde não se pode falar, questionar ou ser? Onde ejacular no pescoço de uma mulher em pleno ambiente público “não gera constrangimento”, mas ver um ato de amor – seja um beijo ou um abraço – entre pessoas do mesmo sexo sim? É entre lágrimas que lembro do dia que expulsamos um cara de dentro do ônibus a tapas, porque ele estava se masturbando no coletivo. E isso não é contra a lei? Bater com fio elétrico nos filhos é “corretivo”? Inventar uma família feliz é o certo? Por favor, eu imploro, não aceite isso nem por um segundo. Olhe para o lado e não permita que o ser humano seja humilhado dessa maneira. Este Brasil que está sendo recriado não me dá orgulho algum.

“Eu estou me sentindo bem desmotivada com esta notícia. A Lú e eu casamos há dois meses, e impressionantemente – eu não sabia que isso ia acontecer – mas casar, oficializar isso, me deu uma segurança e uma paz que eu não sabia que viria. Não porque eu acho que seja necessário, o amor sempre esteve presente. Mas para o mundo, socialmente é importante ter direitos e estar protegido. E a gente se sentiu muito assim depois do casamento. A gente sabe que, para alumas pessoas, foi um desgosto. Para outras, uma alegria. Mas, no final das contas, pra gente foi muito positivo fazer uso desse direito que a gente tem agora de casar. Então, quando sai uma notícia como essa, de relacionar homossexualidade com doença e poder fazer um tratamento de reversão, eu fico muito triste e desmotivada.

Quando eu li a primeira vez sobre a matéria, eu nem entrei para ver… Pra você ter uma ideia de como a coisa afeta a gente. Porque dá uma tristeza e um cansaço lutar tudo de novo. Recomeçar uma batalha que a gente achava que tinha passado. Imagine, desde 1999 que a homossexualidade não é considerada doença. E agora a gente pode casar e aí vem uma deputada e consegue que o juiz aprove isso. Eu fico triste porque as pessoas que fazem isso… Ou elas são más de verdade, ou elas não têm a menor noção da maldade que elas estão fazendo. Então, que bom seria se a gente pudesse esclarecer isso pra essas pessoas. Elas estão sendo maldosas. Essa é a palavra Não tem outra. Não tem mais o que dizer sobre isso. Mas a gente segue e vamos ver se consegue ser revertido. Tem um monte de gente batalhando, falando, fazendo textos e cantando a luta contra o preconceito. Acho que a gente caminha.”
— Carol Naine, cantora.

“A minha primeira reação foi uma indignação leve, como tem sido comigo acompanhando outras notícias ligadas a políticas e questões sociais. Mas depois de uns minutos pensando a respeito, fui me dando conta da gravidade da situação. De como esse fato não só abre precedentes judiciais como também legitima discurso de ódio e mexe com a autoestima de muitas pessoas. Estou desde ontem, quando li a notícia, com o estômago revirado e tendo dificuldade de me concentrar em outras coisas. Esse assunto, pra mim, é urgente. Hoje, uma pessoa que eu não conheço me mandou uma mensagem pelo Facebook, agradecendo por um post que fiz a respeito e falando em suicídio. Passei uma hora aguardando uma resposta dessa pessoa porque achei que ela havia cometido suicídio. Ela finalmente me respondeu dizendo que estava tudo bem e pedindo desculpas por me deixar preocupado. Fiquei pensando em como alguém pode funcionar dessa maneira? Por mais que a maioria de nós saiba que não somos doentes por conta de nossas orientações sexuais ou identidade de gênero, como a gente consegue manter a autoestima e ter forças para revidar movimentos desse tipo, que são claramente um ataque à nossa existência? Como uma criança de 12 anos, que já sofre toda a confusão da adolescência vai conseguir se tornar um adulto saudável crescendo nesse contexto?

Eu me considero uma pessoa extremamente privilegiada: homem, cis, branco, classe média. Para outras pessoas, tudo isso tem um peso ainda maior. Minha experiência é como a de muitas pessoas: já ouvi muitas piadas e comentários maldosos por ser gay, por ser afeminado e por ser gordo, principalmente. Já ignorei, já respondi com ironia, já mostrei o dedo do meio, já debati. Nenhuma das reações me fez sentir melhor. Eu procuro não deixar minha autoestima se afetar com esse tipo de opinião. O problema é quando a sociedade como um todo deixa de ser um lugar seguro. Então, pra mim, a saída tem sido me cercar de pessoas inteligentes e empáticas e, junto com elas, pensar e discutir diversos tipos de solução. Seja ajudando uma ONG como a Casa 1, seja promovendo debates no local de trabalho e entre amigos, seja participando de manifestações. Uma hora a gente vai sentir o efeito desses movimentos. Uma hora as coisas têm que melhorar.”
— Bruno Frika, coordenador de conteúdo na Weber Shandwick

“Não tinha me posicionado ainda em relação a isso, porque não sei o que falar. Porque parece tão óbvio, que não é uma doença… É como dizer que o céu é azul. As pessoas falam como doença. Então galera do mundo, a homossexualidade é uma doença. Então vocês vão parar de xingar as pessoas? Vão parar de tratar gay mal? De tacar pedra em gay? Vocês vão parar de querer excluir o gay, de dar risada dele? Porque se ele é doente… Você faz isso com quem tem câncer? Então vamos tratar com carinho, pegar na mão, ser amigo e dar amor. Igual você trataria um cego, quem está com gripe… Não é doença! O que pega pra mim nessa história é que não tem lógica dentro do discurso, porque o discurso é mentiroso. Eles não acham de verdade que a homossexualidade é uma doença, é ilógico. Você não trata doença da mesma forma. Está em outro lugar o incômodo com a homossexualidade e não em achar que é uma doença. Não é isso. É igual falar que o estado islâmico sai explodindo tudo por causa da religião. Não é por isso que ele ataca. Não se fortaleceram por causa de uma crença. Eles atacam porque detêm o poder da água e do petróleo na região do Iraque e eles querem manter esse poder e retribuem os colonizadores… São outras coisas. É poder, é vingança.

Esse ódio de homossexualidade não é porque essas pessoas acham que é uma doença. O que faz com que pessoas queiram destruir tão profundamente o que outras vivem e que de forma realmente prática não afeta em nada nas suas vidas… O que leva a fazer isso? Ódio da onde? Odeia gay por quê? Porque está errado na Bíblia? “Ah! É gay enrustido”? Não é todo mundo, né? “Acho feio ver”? Ah, mas eu acho feio gente vomitando, sei lá… Não tem explicação! Não consigo entender, acessar. Eu queria perguntar pras pessoas que dizem que homossexualidade é errado porque não gera vidas o seguinte: quantas vezes você transou pra gerar vidas?”
— Ana Larousse, cantora.

“Penso o quão difícil deve ser fazer parte de uma minoria. Não ter visibilidade, não ter voz, não ser alguém, não ser visto, reconhecido, citado, espelhado. Imagino o quão horrível alguém assim possa se sentir. Deve ser péssimo não ter com quem compartilhar esse tipo de sentimento ou até mesmo ter que esconder de todos, lidando com família e amigos. Triste, eu diria. Triste não poder ter um humilde e sincero ombro para afogar todas as mágoas e confusões possíveis. Chorar? Talvez eu chorasse todos os dias por isso se fosse um deles, ou então, até encontrar algo que me confortasse minimamente. Obviamente, só posso estar falando daqueles que não sentem ou sabem de fato o que é o amor.

Porque o amor, ah! O amor não tem limite, não tem filtro, não tem cura! Enquanto o meu coração bater, ele vai amar quem ele quiser, seja homem, mulher, velho ou novo. Disso ninguém nunca poderá me impedir de viver. E a cada irrigada de sangue e pulsada do meu coração, mais forte e mais intenso esse amor vai ser. A maior cura é o conhecimento.”
— Eduardo Vieira, cenógrafo.

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Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.