Exclusivo: Vulgue Tostoi
by Di Pietro
Doce som se parte em Yasnaya Polyana
A arte deve ser um órgão moral da vida humana. Leon Tolstoi
Há pouco tempo atrás, assisti a um filme cujo título em brazuca é A última estação (The Last Station). Confesso que parei pra assistir pela presença deslumbrante da minha musa Helen Mirren, mas acabei curtindo pacas a película, que conta os últimos dias do escritor russo Leon Tolstoi, que por sinal tem uma história intrigante, pra dizer o mínimo.
Quando me foi pedido pra fazer a resenha do Vulgue, de cara a conexão entre “Tolstoi” & “Tostoi”, foi inevitável. Mas, bacana mesmo foi descobrir uma conexão que vai além dos nomes; Leon Tolstoi ficou muito rico e famoso (autor de Guerra e Paz) como escritor, mas, principalmente no fim de sua vida, sofria de uma grave crise moral, pois recusava qualquer tipo de opulência e sua riqueza era um fardo. Sua luta maior foi travada dentro de casa, com a mulher, que não entendia seus tormentos filosóficos internos. Resumindo fatos, aos 82 anos, o velho literalmente fugiu de casa pretendendo buscar uma vida simples e partiu num trem de terceira classe, onde contraiu uma pneumonia e morreu. Mas não morreu simplesmente. Morreu exiliado em uma estação de trem sob o rigoroso inverno russo.
Aí, ouvindo Vulgue me deparo com isso:
‘…E me tranquei aqui, assim ninguém me vê, Assim ninguém me julga, ou se identifica, Essa ilha é minha não é pra você! Existo só, e sua opinião é nada! Vagando nessa ilha exilado em mim, Me escondo assim, vestindo tantas máscaras Trocando de carcaça, dono dessa ilha, exilado em mim…’A história do “exílio” me levou ao conceito de “fuga”. Curioso. Fuga em música é um estilo, ou melhor, uma técnica de composição muito difundida a partir do período barroco. A “Fuga” como fora originalmente concebida, pode-se dizer, não existe mais, devido à sua complexidade de possibilidades de variações. “A fuga é uma das formas contrapontísticas mais complexas e, como tal, compositores talentosos a têm utilizado para expressar o profundo (…) ela também representa um maior desafio à imaginação e ao senso de fantasia do compositor. A fuga é uma obra polifônica – vocal, instrumental ou ambos, em forma aberta. Há um espessamento gradual da textura à medida em que as vozes entram, com entradas alternadas nos níveis da tônica e da dominante”.
Na história da música ocidental, os músicos criativos, os compositores (que neste sentido inserem-se os arranjadores), buscam avidamente novas formas de fazer música, seja através da complexidade rítmica, harmônica melódica e etc.
Estas reflexões não são aleatórias com relação ao trabalho do Vulgue, que imprime uma marca muito específica na busca e experimentação de texturas musicais.
O tempo e a paciência são dois eternos beligerantes. Leon Tolstoi
Num tempo onde estilo musical é algo subjetivo desprendido de uma referência rítmica específica, onde tudo parece já ter sido feito, criado e recriado, a dupla insiste em buscar uma marca própria imprimindo qualidade ao som.
A maior qualidade do Vulgue ao meu ver, está na criação final. As letras bem escritas, a linha melódica, a cadência, o ritmo, servem-se à exploração das texturas e capacidade da integração perfeita no arranjo final de cada música.
Alguma coisa me lembrou da Dodecafonia de Arnold Schoenberg, Béla Bartók e Arrigo Barnabé. E também algo do Frank Zappa.
O primeiro álbum do Vulgue, Impaciência, foi lançado em 2000. Treze anos depois a banda lança Sistema delirante amplo e defasado da realidade. O hiato se deve um pouco ao fato de Jr. Tostoi ser um arranjador bastante solicitado por artistas como Lenine, Jards Macalé e mais um montão. Outro tanto, talvez se deva ao fato da entrega ao tempo artístico, que afinal, pode parecer defasado aos olhos comuns, mas em sua grandeza, artista que é artista de verdade, em sincronia perfeita com a deusa música, se deixa levar pelo tempo que ela mesma impõe.
Destaque para faixa “Doce” que tem a participação da Katia B. A música é perfeita!
“Na casa da matriz” é o exemplo da exploração do som dissonante, noise, dodecafônico. Provoca estranheza. Provocação insidiosa, delirante. Sensação de “fora do tempo”, outro tempo, outra realidade.
No arranjo de “Descontrole”, a linguagem sonora para exprimir a intenção semântica da palavra foi perfeita. A gente ouve a música e fica com uma sensação de que algo está ligeiramente fora de controle, como se a música, suave, fosse se descontrolar mesmo, quase romper com a linha melódica, através pontos dissonantes e um clima meio de suspense.
Em “Será preciso” a mágica foi conseguir uma condição sonora que prenuncia uma súplica. “Será preciso?… diga a verdade…” A colisão entre letra, melodia e arranjo foi incrivelmente bem sincronizada. Se você ouvisse a música sem a letra, ou se não entendesse a letra, sentira na própria coesão do som, a sensação de súplica… “diga a verdade…”
Vulgue Tostoi é som para amantes da música. Ouvidos atentos aos detalhes potencializam o prazer ao ouvir o som. Um bom equipamento de som, também vai fazer toda diferença e se rolar fones de ouvido estéreo, a experiência será puro êxtase. Pode apostar!
Um brinde à exploração das texturas! Um brinde a JR. Tostoi, alquimista mestre na arte de fundir matéria prima sonora e extrair ouro!
Cheers!
Recommended Posts
Juntas Festival: Celebrando a Força Feminina com Vanessa da Mata, Liniker e Valesca Popozuda no Parque Villa-Lobos
novembro 29, 2023
WME Awards 2023 | É hora de exercer seu poder de voto!
novembro 23, 2023
Lori | Cuore ApertoLori
novembro 16, 2023