Resenha: Igor de Todas as Crenças
O sobrenome dele bem que poderia ser Orvalho. O som que faz não difere em nada de um vai e vem eterno de duas ondas se beijando na platibanda da cidade surda. É a poesia de Caimy com Samplers; a voz de uma doutrina com a bênção do samba.
Igor, silenciosamente, desce as escadas da canção, beija o crucifixo e acaricia o pandeiro como um gesto de fé.
Quando, na vermelhidão dos vitrais da madrugada, terminei de ouvir o filosófico A TV, a lâmpada e o Opaxorô, disco produzido por Rogério Samico e com participações de Lula Queiroga e Moreno Veloso, senti a energia que rege a nova geração da música pernambucana, com um discurso mais particular e de crítica diferenciada. Igor sapateia na contradição. Passeia entre o ébrio e o sacro com uma fluência de poucos. Basta ouvir, de coração aberto, as faixas Não sei você e, logo depois, Rainha de Aiocá.
Uma pirâmide conectada entre a TV do cotidiano, a Lâmpada das ideias e o Opaxorô da espiritualidade. Quando Chico Buarque compôs A foto da capa, ele já devia prever que artistas como o Igor criariam capas incríveis como a que ele criou para seu trabalho. A quantidade de interpretações sociais que permeiam a figura daquela espécie de Baphomet retratado por Dali é vasta. O disco instiga da concepção ao discurso, que navega entre o lirismo de Para o frio e o íntimo de Seguindo em frente.
A voz lembra bastante o conterrâneo Tibério Azul. Aquele sotaque gostoso de recife, que a gente torce pra ouvir a sílaba di pronunciada como um interlúdio de sensações. Internalizar a beleza dos fonemas regionais se tornou uma máxima dessa era, onde a canção vem de todos os cantos do país com o endereço mapeado na voz.
Igor é todas as crenças, de todas as castas, de todos os bares. Um monastério de idiossincrasias veladas, um templo que mescla símbolos e logomarcas, catedrais e outdoors, Deuses e Opressores.
Absoluto e ingênuo, de carvalho em carvalho, até a borda do mar.
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