Resenha: Ylana
O PERFUME DAS CANÇÕES
Ah, Pernambuco, que geração deste ao Brasil!
Antes de começar a escrever sobre Ylana Queiroga, preparei um cappuccino que combinasse com seu disco. Exagerei um pouco na dose de chocolate e espumei mais do que deveria. Acrescentei, ainda, um tanto mais de canela. Esqueci o escritório e fui para o quintal trabalhar sob o signo dos ventos, na iminência da nudez de artifícios. Falar sobre o trabalho de alguém exige uma responsabilidade muito grande e é por isso que tento, ao menos tento, me conectar ao clima do disco que estou (sentindo) ouvindo.
E, antes de mais nada, “Toda surdez será castigada” por aqui.
Ylana Queiroga carrega no peito a profunda insígnia da canção brasileira. Filha do maestro Spok e de Nena Queiroga, sobrinha do compositor Lula Queiroga e irmã do ganhador do “Grammy Latino” Yuri Queiroga, ela nos brinda com coquetéis de sua alma esvoaçante como a saia das meninas do frevo ou como a pélvis de um ‘Be-Bop-A-Lula’ mais animadinho. Há algo de psicodélico em suas releituras mais raízes. E tudo tem o perfume moreno e bucólico de todos os Brasis.
Essa é a clara magia de Ylana em seu primeiro disco intitulado YLANA, como um “Eu” que se propaga, absoluto.
Como disse, há algo de psicodélico na verve dessa pernambucana. Me senti, por vezes, ouvindo Mutantes na voz de uma endiabrada Elba Ramalho. Mas essa psicodelia tem uma acentuação tão brasileira, tanto na fonética quanto na estrutura, que posso até visualizar Ylana batucar uma caixa de fósforos a cada pegada rock desse disco plural.
YLANA é pra ouvir medindo as distâncias, os silêncios, as pausas e os detalhes. Às vezes, é bom ouvi-lo de outro cômodo da casa para sentir os alcances mais íntimos da canção. Outras vezes, é necessário pegar no colo e enlouquecer junto com os vocais de “Calcanhar”. Aliás, essa é a canção que abre e resume o disco. Primeiro, aquela sonoridade rock, seguida de uma espécie de cuíca com alguns samples de fundo. Logo depois, somos acometidos por uma clima de maracatu para, enfim, sermos arrebatados por um refrão repleto de elementos que elevam a música a seu auge. E a ponte entre estrofe e refrão é uma pausa. Ylana sabe explorar, quando necessário, o poder destruidor dos silêncios.
Depois de ouvir o disco inteiro, confesso, não tinha noção de quantas canções ali eram releituras. Identifiquei apenas duas: “Pedras de sal”, de Alceu Valença e “Duas cores”, do Mombojó. Pernambuco na veia! A que mais me impactou foi “Duas cores”. Que versão linda de uma “mombojóia”! E mais uma vez, Ylana consegue a harmonia perfeita entre silêncio, brasilidade e psicodelia. “Duas cores” ficou tão rica que a música parece dela. Se apropriou como ninguém de uma obra prima da nova música brasileira. Assim como fez com “Não quero mais”, do mestre Capiba. Um samba dos anos 30 em pleno século XXI. Tão dela, tão novo. Ylana faz tudo se transportar para um universo próprio, da qual não se quer buscar fontes. É ouvir para achar que tudo é seu. Para dar detalhes mais técnicos, segue a playlist com seus respectivos autores:
E quem se atreveria a dizer que ela não é todos em uma só? Ylana é aquele brilho que surge sobre o que já é belo e forte. É como a chuva que bate a terra e produz aquele cheiro tão doce e sereno. Eis a menina que mistura. Eis a mistura que não foge.
Eis aquela que perfuma todas as canções que a tocam.
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