Exclusivo: Carandina – Tudo Vai Dar Errado
“Se tudo der certo, tudo vai dar errado”, acho que nenhuma outra frase seria capaz de sintetizar tão bem o espírito do primeiro disco do cantor e compositor Carandina. 95% das pessoas que lerem isso se sentirão inclinadas a focar apenas no pessimismo que ela denota. No entanto, existirá ainda esse 5% que não hesitará em indicar justamente a beleza que está conotada, aquilo que está nas entrelinhas da sentença.
“Tudo Vai Dar Errado” não é uma ode à infelicidade e cinismo; trata-se antes de um lampejo de lucidez de alguém que não tem medo de encarar, aquilo que o escritor e filósofo francês Albert Camus chamava de o absurdo da vida, sem o menor ar fatalista ou blasé.
Hoje em dia, felicidade pode ser comprada no supermercado, diluída em barras de chocolate, garrafas de cerveja ou maços de cigarro. Felicidade como bem de consumo, não como estado de espírito. Se antes, digamos lá para o início do século XIX, a tristeza e melancolia estavam em voga, hoje em dia é essa urgência por felicidade insossa que está sob os holofotes. “Sorria mais”, dizem as placas e assim fazemos, enquanto o carro da existência segue o curso dessa estrada sem saída em alta velocidade.
Misturando bossa e spleen, Carandina consegue um gingado triste, como se Baudelaire arriscasse a sambar ou como se João Gilberto e Alphonse de Lamartine dividissem um drinque em algum bar atemporal. É possível encontrar também ecos da tradição de sambistas e bambas, que são aqui reconstruídos de maneira peculiar e intimista. As letras são introspectivas e convidam o ouvinte a uma viagem pelo mundo particular do autor delas, uma viagem onde Carandina não se coloca como guia, responsável por apontar isso ou aquilo no meio do caminho, mas como mais um passageiro desse carro. Um dos mais atentos, talvez.
Não existe também uma defesa da introspecção como única maneira de “saudável” de encarar o mundo e suas balizas. O individualismo de “Tudo Vai Dar Errado” é, em parte, apenas aparente. O centro de sua gravidade poética está na capacidade de criar obras abertas, onde cada um de nós pode se reconhecer ou se estranhar sem culpa, sem a obrigação de dar sorrisos amarelos.
O disco, que acaba de ser lançado pela Grama Records, chega depois de Carandina ter participado de discos de Phillip Long como guitarrista e arranjador e expõe um talentoso e competente artista que tem muito mais a dizer do que as costumeiras rimas fáceis e frases bonitinhas do insistente momento de – parafraseando César Lacerda – síndrome de Amelie Poulain pelo qual a música nacional vem passando.
Quanto aqueles 95% de “otimistas” restantes, fica o convite em forma de música para a reflexão. Quem sabe assim consigam perceber que nem tudo é assim, preto no branco e que nem tudo nessa vida são flores… graças a deus.
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