ÀIYÉ: Entrevista com Larissa Conforto

ÀIYÉ: Entrevista com Larissa Conforto

Depois de ter seu nome em projetos, como a banda Ventre, e produções artísticas junto com Gilberto Gil e Chico Buarque, Larissa Conforto agora é ÀIYÉ.  Seu primeiro EP gravado entre Brasil e Portugal, Gratitrevas, é  uma espécie de renascimento. Tambores, ancestralidade, experimentação eletrônica e vivências, formam um disco, presente e vivo. Em meio a pandemia, o disco chegou ao publico, e sim, ouvir Gratitrevas nesse momento foi uma libertação diante desse isolamento.

Conversamos com Larissa sobre essa nova fase, para entender sua experiência nessa transição. Confira a entrevista abaixo:

Não tem como pensar em Larissa e não lembrar do Ventre, então minha primeira pergunta é: como foi esse desligamento com a banda? – Tive sorte de ver vocês no Lollapalooza e foi incrível!

Aaah que demais que você assistiu! Nunca vou me esquecer esse dia ♥️
Na verdade eu nunca me desliguei da banda, a banda que precisou de um respiro, e isso não necessariamente partiu de mim.  Não sei se consigo falar mais do que isso, porque foi um período muito difícil pessoalmente.
Dedicamos seis anos à Ventre, e acho que nós três precisávamos dedicar energia a outras coisas a partir dali. Está tudo bem entre a gente, tanto que chamei os dois pra participarem do disco! Sou muito grata a tudo que dividimos.

Como foi o processo de construção de identidade do “Gratitrevas” e o porquê do nome?

Foi intenso, difícil e natural ao mesmo tempo. O título tem muitos sentidos, e eu tenho me divertido com as diferentes interpretações. Tem um lado sério, que fala da busca pela gratidão em meio às trevas, e outro lado sarcástico que se opõe ao termo “Gratiluz”, que não deixa de ser uma provocação embora eu mesma utilize muito gratidão/gratiluz, e acredite muito no poder que as palavras carregam. No fim, ter dois conceitos tão fortes e opostos no título do meu primeiro trabalho reflete exatamente o que eu sou e o que eu busco. É sobre reconhecer as fraquezas e dificuldades pra andar pra frente, com resiliência. O momento é sombrio e evoca mudanças estruturais. A transformação começa de dentro, e demora.
Não é à toa que eu falo de espiritualidade e auto cuidado com a mesma conotação que falo de eco-feminismo e ativismo, porque acredito de verdade que essas coisas andam juntas, assim como luz e sombra. Não se pode ter um sem o outro.

Quais foram suas influências musicais para a formação desse projeto?

Eu me inspirei muito em pontos que aprendi no meu terreiro, cantos que aprendi em rituais, nos anos de pesquisa em ancestralidade do tambor e ritmos latino americanos, nos ritmos de resistência e nos ecos desses estudos e viagens.  Acho que qualquer coisa que eu faça tem um quê de influência de samba, por conta de onde eu vim e como eu fui criada, então lá vai cartola, clara Nunes, Alcione… e pra além disso eu posso citar Bjork, Radiohead, FKA Twigs, Juana Molina, Luiza Lian, Maria Beraldo… e em especial a rapper Kate Tempest que mudou a minha forma de me relacionar com o rap e com a escrita. Isso entre tantas outras coisas… Devo soltar uma playlist de influências do disco em breve.

Qual a história da música “Isadora”?

É um samba que fiz pra minha irmã mais nova, Isadora, sobre ter esperança e lidar com a morte. Quando criança eu costumava dizer a ela que não podíamos brigar. Deveríamos ser amigas para sempre, como nossa avó e sua irmã mais nova, que perderam a mãe muito cedo e sempre tiveram uma a outra.
Acho que isso ecoou em mim, porque eu sempre repetia pra ela que quando os nossos familiares morressem a gente sentiria a mesma dor, e precisaríamos cuidar uma da outra.

O comecinho da música nasceu num momento muito difícil em que vivemos várias perdas em um período muito curto de tempo. Durante esse processo essa mesma avó ficou muito doente, até ser internada. No último mês, ela apresentava um quadro grave e irreversível. Não tínhamos o que fazer senão esperar… foi quando eu comprei um violão e passei a tocar pra ela todos os dias. Eu tirei tantos sambas que acabei aprendendo um monte de acordes novos, e assim criei a harmonia para aquela melodia.
A última estrofe veio depois do velório, quando nos despedimos cantando juntas “O que é, O que é?” do Gonzaguinha, por isso o trecho “é bonita e é bonita”, da música. Mas toda morte carrega um recomeço. Vai chegar um tempo bom…

O que essa nova Larissa representa para você?

ÀIYÉ é um recorte meu, e não necessariamente é diferente de quem eu fui. Com certeza esse disco representa uma nova fase depois de um processo muito forte e transformador, e também uma escolha muito corajosa de expor outros lados criativos que me permeiam, e de explorar pesquisas e interesses que eu não teria oportunidade de experimentar se não fosse dessa forma. A Larissa de hoje se sente verde e só começando. Uma aprendiz, observando tudo, cada detalhe.
Espero seguir sempre atenta e poder sempre me reinventar com a arte. Eu acredito na grande mudança. E quero muito fazer parte dela.

Como estão os planos para mundo conhecer ÀIYÉ?

Ah… o futuro é tão incerto agora! No fundo sempre foi, né? Como a gente se ilude! Hahaha
Bem, eu agora estou em quarentena em São Paulo, na casa de amigos. Vim pra cá pra cumprir compromissos e fazer três shows. Daqui embarcaria pro Japão pra um mês de turnê, e em maio voltaria à minha casa em Lisboa. Já estava fechando datas pro verão na Europa, e então tudo foi cancelado…
Nesse momento estou editando dois clipes, fazendo fotos novas, escrevendo, estudando guitarra e desenvolvendo outros conhecimentos enquanto posso. A vida na estrada é maravilhosa por um lado, mas também nos exige muito. Quero aproveitar a parte boa de estar em um lugar só, e com o tempo vou entender como serão as coisas a partir daqui. Por enquanto o foco é na saúde mental e física, minha e dos meus. Vamos descobrindo aos poucos né?
FIQUEM EM CASA!!!

OUÇA GRATITREVAS AQUI.
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De São Paulo, apaixonada por cultura, arte e comportamento humano. Movida a música.