Um Cínico Pra Chamar de Seu: Declaração é Coisa pra Gente Grande
“A nudez da mulher é obra de Deus”, isso William Blake, devoto que só ele aos mistérios do mundo metafísico, declarou no profundo e assombroso livro “O casamento do céu e do inferno”, escrito em 1794. Quem sou eu para dizer o contrário.
É preciso concordar: não há nada mais sagrado que a nudez da mulher e é exatamente por ela que rezo toda noite no meu rosário de pecados (essa eu aprendi com o mestre Alessandro Palmeira, que também escreveu: “Toda mulher é nudez mesmo quando vestida”).
São pessoas assim, com despudores assim que fazem a diferença. São odes desse cabimento que verdadeiramente representam o vendaval de sentimentos que nos devasta por dentro diante da beleza dos olhos, da boca, ou de um par de pernas.
Em uma época tão líquida e de homens existencialmente frouxos como a nossa, uma arte vem se perdendo, deixando as relações cada vez mais superficiais e beges (e não há nada mais broxante do que a peça íntima bege): a declaração. Pobre diabo aquele que pensa que somente o sexo – ou pior, somente o sentimento – é o suficiente, seja para uma relação ou para a vida. Sair do jardim de infância existencial é para poucos e a declaração, meu amigo, definitivamente, é coisa pra gente grande.
Muitos são os que pecam no momento crucial de uma declaração, desse momento de desabafo sentimental e emocional que exige destreza e arrojo para não cair na pieguice. Gente afobada, melosa ou inocente demais, geralmente fracassa com maior facilidade nessa tarefa sagrada e cada vez mais negligenciada.
Não existe um manual para iniciantes. A coisa é visceral mesmo e exige certo grau de extravagância e entrega. Acontece que existem falsas declarações, daquelas vazias que procuram apenas cama e lençóis, o que não significa que a inocência seja a chave para a declaração romântica perfeita, aliás, não existe declaração perfeita: o que existe são níveis de sinceridade.
Veja bem, quem exclui desejo e malícia do ato de relacionar-se, ou do querer relacionar-se com alguém, das duas uma: ou é uma pessoa muito ingênua (quase boçal, eu diria) ou não faz a mínima ideia do que está fazendo. Quando alguém fala abertamente, quando faz a dita declaração de amor, com ou sem floreios barrocos e arranjos rococós, significa que essa pessoa quer sentir isso no corpo, transferindo o que há de abstrato para o concreto, esperando que haja suor, saliva, apertões e gemidos ao pé do ouvido, no mínimo. Negar isso é jogar no lixo tudo o que há de mais bonito e complexo no amor.
Por isso a Bossa Nova me representa.
Não só ela, mas também todos aqueles que sabem de seus defeitos e paixões sem fazer deles seus demônios. É por isso que Alessandro Palmeira, Renato Godá, Lese Pierre e, de certa maneira, Humberto Maturana , me representam.
O discurso blasé do amor livre e desprendido que muitas vezes encontra apoio na suposta estética do Rock n’ Roll é coisa de criança infeliz e birrenta; de gente que tem medo de crescer e que fica tagarelando sobre suas conquistas relâmpagos ou que consegue falar sobre si mesmo durante três horas seguidas (porra, até Wagner, com exceção de “Das Rheingold”, dava um intervalo para o cafezinho).
Desnecessário dizer que ninguém gosta de pessoas picaretas (esse tipo, junto com os melosos e aqueles com síndrome de capitão planeta, são capazes de tirar o tesão pela vida de qualquer um). Por isso, antes de expor seus sentimentos em um rompante de afirmações e promessas, por favor, meu rapaz, tenha o bom senso de ao menos ser sincero nos momentos antecedentes, pois uma hora ou outra suas ladainhas de “conheço isso”, “faço aquela coisa”, “salvo baleias”, “gosto daquilo” e “leio aquele outro”, irão cair por terra e não haverá santo capaz de te devolver a dignidade depois disso.
Para finalizar, como exemplo de como deveria ser uma verdadeira e singela ode de compromisso e vontade para com a amada na minha humilde opinião, deixo uma pérola da declaração escrachada e extravagante, escrita por Domingos de Oliveira, musicada e cantada por Alexandre Nero.
Um bom início de semana a todos e pensem duas vezes antes de fazerem citações de Nietzsche e Bukowski (estão ficando cada vez mais surrados). Se querem uma sugestão, eu tentaria mais Céline e Augusto dos Anjos – estes caíram um pouquinho em desuso pelas bandas de cá.
Vamos ter um filho.
Vamos escolher o nome dele.
Deixa eu te alegrar, quando você estiver triste.
Deixa eu te ninar, quando você estiver cansada.
Vamos fuder o dia inteiro.
Vamos fuder o dia inteiro.
Deixa eu te fazer uma massagem com creme.
Vamos aprender tocar pianos juntos.
Vamos fuder o dia inteiro.
Vamos fuder o dia inteiro.
Deixa eu ajoelhar e beijar tua mão.
Vamos ser tão felizes, que fiquemos calmos, tão calmos.
Que fiquemos fortes, tão fortes que possamos ajudar todos os amigos que
precisarem.
Vamos fuder o dia inteiro.
Vamos aceitar tudo que é do outro.
Vamos defender tudo que é do outro.
Vamos amar tudo que é do outro.
Vamos fuder o dia inteiro.
Recommended Posts
Jantando Com o Chico: Crônica do amor morto
novembro 16, 2014
Rolo Elétrico: Do luxo ao lixo
outubro 20, 2014
Confessionário: Um Dia Com o Pink Floyd
outubro 10, 2014