Resenha: Cícero
Nesse último fim de semana foi lançado o tão aguardado segundo disco do cantor e compositor carioca Cícero, e com ele também vieram questionamentos sobre o que teria levado o sucessor do aclamado “Canções de Apartamento” por veredas tão distintas.
O álbum, intitulado “Sábado”, traz dez canções que transitam entre movimentos concêntricos, minimalismos sonoros e encorpadas e líricas afetividades. Ouso dizer que é a poesia, com toda sua pluralidade, que pulsa com maior força no sucessor de “Canções de Apartamento”.
Alguns acusam o disco de ser “introspectivo” e “pessoal” demais. Estranho seria se assim não fosse, se funcionasse apenas um produto destinado a amenizar ou provocar algum sintoma. Tenho pra mim que o estranhamento de algumas pessoas, do público e da crítica, se deu pelo fato de não conseguirem se reconhecer logo de cara, de maneira fácil e mastigada, ficando impossibilitadas de curar suas neuroses e necessidade de pão e circo. Quanto à suposta crítica contemporânea – essa de bula de remédio e receita de bolo, feita por pessoas cada vez mais distantes do fazer artístico enquanto ficam mais perto do pior tipo de marketing –, fica evidente a frustração de seus agentes por terem que pensar sobre o disco, por terem de ir ao encontro dele, tirando-lhes da habitual postura de “vamos lá, surpreenda-me”.
Saudades, Otto Maria Carpeaux
“Sábado” é azul, como sua capa. Uma cor que tende ao movimento centrífugo, como já demonstrava Kandinsky, para o qual a cor provoca uma vibração psíquica. Azul como os confins do mar-de-dentro que Cícero resolveu navegar em embarcação pequena, construída para explorar detalhes até então insuspeitos de si mesmo, mostrando que não está preocupado com a manutenção de um “público”, mas talvez com a formação de um enquanto vai também se formando, se descobrindo enquanto artista.
Me preocupo muito quando leio ou escuto dizer que o problema do disco reside na necessidade de uma audição atenta. What the fuck?! A letargia, da qual alguns acusam o disco, está justamente no ouvinte, ou melhor, na sua relação com aquilo que consome. Uma relação que normalmente é mediada por veículos cada vez mais desprovidos de tato e acuidade para a abertura de diálogos. O que significa que, quanto mais pobre e medíocre for o repertório daquele que irá escrever ou falar sobre um disco ou um livro, por exemplo, com o intuito de formar opiniões, mais pobre e medíocre o objeto de análise irá parecer aos seus leitores ou ouvintes.
A notícia de que Marcelo Camelo e Silva tocariam no disco gerou grande expectativa de que o disco pudesse soar como um lugar entre “Claridão” e “Toque Dela”, e, no fim, ocorre que “Sábado” é polissêmico, rico em gradações e detalhes que estão além dos anseios do ouvinte acostumado apenas à univocidade. Bruno Giorgi (responsável pela mixagem) e Bruno Schulz assinam a produção do disco junto com Cícero e, além de Camelo (bateria, baixo e guitarra em duas músicas) e Silva (piano em “Frevo por Acaso”), participam dele Uirá Bueno (bateria), Mahmundi e Luiza Mayall (vocais).
Da mesma forma que um pintor mescla técnicas próprias da pintura com sua psique para dar forma à sua necessidade interior, assim também fazem alguns músicos da atualidade – deixo claro que aqui me refiro somente a um determinado recorte de fazer musical que recai mais especificamente na canção. Talvez seja a predominância de alguns conceitos ultrapassados, e que ainda pululam na produção crítica, que impeça um contato mais efetivo com um trabalho como “Sábado”, posto que este é fruto de uma pulsão artística tão profunda, rica e complexa, como a necessidade interior de seu compositor.
“Canções de Apartamento” é sim um bom disco, porém, particularmente, o novo trabalho de Cícero me desafia, convida a um salto e a uma conversa sincera.
Em tempo, constato: finalmente, acabou a sexta-feira, amor!
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