Artista do Mês: Wado

Artista do Mês: Wado

São quase 20 anos de carreira, 11 discos solo, dois livros, alguns muitos projetos paralelos e boas histórias para contar. Wado surge em uma das levas realmente significativas da música autoral brasileira – e para ficar. Ele passa pelo começo do fim da gravadora, pela bomba do MySpace, pela horizontalização de possibilidades com as redes sociais. Conhece começo e fim da MTV como estávamos acostumados e chega a 2019 com seu primeiro single solto, fora de um álbum mas totalmente dentro de contexto – “Antifa”.

Versátil e genuíno, o cantor permanece firme e forte com o último disco lançado, intitulado “Precariado”, e conta um pouco do tanto desta história para o Jardim Elétrico.

Dentro deste universo complexo chamado música autoral, o que é estar estabilizado como músico pra você?

Acho que a dignidade de qualquer profissão está no fato de ela permitir pagar suas contas. “Estabilizado” me parece um termo médico 🙂  Tipo um paciente que não vai morrer… Eu não estou estabilizado profissionalmente. Como artista, acho que atravessei duas ou três gerações de fãs desde 2001, quando comecei, adoro as coisas que realizei e a vida que levei e levo, mas existe um encolhimento de mercado para o que faço e para a forma como faço. É natural, o fã de 2001 tá em casa cuidando de filho e raramente vai a show, e a escolha que fiz de viver na periferia do Brasil me tornou uma espécie de minhoca (digo isso em referência à forma que pejorativamente se chama de artista da terra quem não está no sudeste. Pra mim não existe artista da terra, pra mim existe artista e ponto). As novas gerações me conhecem pouco. Eu, pra média do público indie, sou o cara do Vazio Tropical e do Samba 808, e esses discos já tem uns 6, 7 anos de lançados, então estamos presumindo que seja um consumidor indie experiente. Depois disso, fiz 3 discos lindos que pouquíssima gente ouviu. Esses ciclos são normais, mas, com a minha idade, não sei dizer se a curva sobe pra onde já esteve. Nem me importa isso, acho a pertinência do like a coisa mais idiota, as coisas são pertinentes por si. Relevância e audiência são coisas bem diferentes – e nem estou dizendo que sou relevante.

*Clique aqui para ouvir nosso podcast sobre “viver de música”.

 

E você se sente assim?

Me sinto assim, desta forma que descrevo na resposta da pergunta anterior. Tenho outras profissões e as exerço quando não consigo viver de música, por exemplo, ano passado fiz disco, dvd, livros, isso me exauriu muito e trouxe grande retorno de alegria, mas pouco de grana. Esse ano decidi descansar um pouco a música e, ao invés de cavar as coisas (como por exemplo os eventos de bilheteria em que convido outros músicos) apenas responder as demandas externas. Isso tem me feito bem, no sentido sabático que a arte às vezes demanda.

O que mais você pretende conquistar?

Não pretendo nada, só vivo os dias e tento pagar as contas. Neste momento, por exemplo, tenho um disco composto, mas não tenho vontade de gravá-lo ainda. Ando num momento de tentar me libertar um pouco do meu próprio ego, protelando as coisas, empurrando-as com minha barriga que anda cada vez mais linda e maior. O que me move é paixão pelo ijexá, pelo samba e pelo funk (o eletrônico, carioca e brasileiro), tenho cada vez mais vontade de mergulhar nisso. Esses conceitos de nação são perigosos e abstratos, mas, se tem algo que me dá tesão, são essas matizes brasileiras, esse legado ancestral, é isso que me enche de amor e orgulho e que me traz fé de que passaremos por esse momento merda que estamos vivendo.

Seu primeiro disco chegou num momento auge no que diz respeito à evolução digital. Como isso impactou seu trabalho?

Meu primeiro disco custou 2 mil reais, isso diz tudo sobre mim e ele. Não poderia ser feito antes porque pra fazer antes era caro. Eu vim junto com a ruína da indústria, com as coisas boas e ruins contidas nisto. Horizontalizou.

Hoje, o que falta e o que sobra na nova relação da música com o universo digital?

Falta curadoria mais ampla e corajosa, as playlists são um tanto parecidas. Sobra quantidade. Mas, também, acho que há certa justiça na adequação das coisas, acho que artistas e público dão um jeito de se encontrar, temos de encarar que certas coisas comunicam mais outras menos, nunca me alinho pensando nisso (nesta relação), me alinho em fazer o que quero na hora que quero. Se comunica pouco, foda-se, arte não é publicidade.

Versatilidade também pode definir a maneira como leva a carreira artística. De todos os projetos e parcerias, que experiências você destacaria como essenciais para estar aqui e agora?

Depende do “aqui e agora”, estou bem ou estou fudido? Tenho justificativas pras duas hipóteses. Destaco essa paixão pela música brasileira; em retrospecto, acho que sou como os velhos compositores de samba e ijexá, um cara que faz isso, uma pequenina contribuição pra esses cancioneiro vastíssimo que temos.

“Antifa”. Em tempos como os nossos, o que significa ter uma canção de protesto?

Primeiro, acho surreal que em 2019 tenhamos de compô-las, né? Mas essa extrema direita é um pecado do mundo inteiro, não é só nosso. O nosso é bem grave pois escolhemos o pior da escória do mundo, um racista, machista, fascista nojento. Temos de resistir democraticamente. Quanto à canção, acho que todos devem se posicionar, fazer canção quando surgir ou tiver vontade.

*Clique aqui para ouvir uma playlist de MPB Antifa.

 

De todos os retrocessos vividos no último ano, o que mais tira seu sono?

O que me tira o sono é a falta de fé que tenho em relação uma quantidade enorme de seres humanos. Como essas pessoas que estão próximas de nós, muitas delas queridas e amorosas, concordam com isso que está sendo proposto pras nossas vidas, pros nossos filhos? Não consigo digerir.

Você acredita que os artistas estão se posicionando o suficiente? O que falta ser feito nesse sentido?

Acho que vem ai uma onda gigante de resistência democrática, acredito sim no engajamento da turma.

Que impacto você percebeu também com o lançamento de seus livros, tanto na carreira artística como na intenção de estimular ideias junto ao público?

Os livros são lindos, mas ainda pouca gente leu.

Por fim, para onde você acha que está indo a música autoral brasileira e o que os novos artistas – aqueles que estão fazendo seus primeiros lançamentos agora – devem ter em mente neste momento específico?

A cena tá ótima e os discursos são maravilhosos. Nós, das gerações anteriores, que devemos aprender com Tuyo, Academia da Berlinda, Cícero, Castello, Maglore, Baleia, Giovani Cidreira, Figueiroas e tantos outros.

DISCOGRAFIA:

2001 – Manifesto da Arte Periférica
2002 – Cinema Auditivo
2004 – A Farsa do Samba Nublado
2008 – Terceiro Mundo Festivo
2009 – Atlântico Negro
2011 – Samba 808
2013 – Vazio Tropical
2015 – 1977
2016 – Ivete
2018 – Wado Ao Vivo no Rex
2018 – Precariado

LIVROS:

Água do Mar nos Olhos
Caderno de Anotações

PROJETOS PARALELOS:

Fino Coletivo
Projeto Pixinguinha (2004, com Carlos Malta, Wado, Rita Ribeiro e Totonho e Os Cabra).

Share Button

Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.