Bernardo do Espinhaço – O Amanhecer Depois de Uma Noite Escura
A cartografia do nosso país tem mudado no decorrer dos anos. Mais concreto, mas construções, mais “progresso”. Com isso, a nossa cartografia interior também é alterada. Outros valores, outras formas de enxergar questões sociais e ambientais. Dicotomias e fantasmagorias discursivas assombram nossas relações com o espaço em que vivemos, com nosso entorno. Estamos caminhando em direção perigosa, perseguindo perspectivas desequilibradas que pendem mais para seus respectivos lados da balança.
É preciso então parar, recompor as ideias, repensar trajetórias passadas e futuras. A música é também veículo de reflexão, capaz de sugerir pausa onde antes era tudo mínimas e semínimas na vida. Silêncio de mata convivendo com o sussurrar de um rio. Não mais o chiar de aviões rasgando o céu ou de carros emitindo roncos raivosos. A música pode ser caravançarai pronto para receber viajante cansado dos constantes deslocamentos de humor e afeto que o ato de viver exige.
Depois de liderar o grupo Músicas do Espinhaço, Bernardo Puhler lançou-se em carreira solo com “O Alumbramento de Um Guará Negro Numa Noite Escura”, um disco mais soturno e carregado de uma beleza mais introvertida. Agora, adotando o nome da sua paixão (a Serra do Espinhaço), Bernardo do Espinhaço nos presenteia com um convite poético para a reflexão sobre a cartografia anímica que queremos para nós mesmos e para gerações futuras.
Se “O Alumbramento…” aborda um lado mais introspectivo da vivência humana, tratando de modo muito sutil temas como depressão e solidão, “Manhã Sã” apresenta a possibilidade de brilho e de se reerguer depois de uma noite densa e escura dentro de nós mesmos. É estrela da manhã a acenar sua luz nas primeiras horas de um novo dia, trazendo consigo o poder de encantamento da natureza (não é à toa que a abertura do encarte traz um poema de Manoel de Barros). Ao compor um trabalho voltado para questões que abarcam a relação entre o homem, a tradição e a natureza, Bernardo nos apresenta mais um pedaço de seu próprio Walden.
Musicalmente, “Manhã Sã” traz fortes ecos de Flávio Venturini na década de 90, com programações eletrônicas que o aproximam do pop, mas com arranjos de instrumentos como flauta e acordeão que dão personalidade ao trabalho. Não é só Clube da Esquina, não é só Milton Nascimento (do qual Bernardo se aproxima muito em timbre vocal), trata-se de uma personalidade musical diversificada em plena caminhada pelas sendas da canção.
Além das participações de seus amigos de longa data Frederico Heliodoro e Rodrigo Lana, Bernardo contou também com as invencionices de GA Barulhista, Rafael Furst e Gustavo Campos. A belíssima capa, que retrata de forma impressionante o espírito do disco, é assinada pelo artista JB Lazzarini.
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