De intensas delicadezas chega-se ao Sim
“Vem sobre os mares,
Sobre os mares maiores,
Sobre o mar sem horizontes precisos“
Fernando Pessoa
A voz humana é ela mesma um híbrido do visível com o invisível, uma casa movente do espírito, este disco se desloca como um pássaro marinho desconhecido voando por cima de fronteiras indiscerníveis, Natalia entrelaça as asas da poesia com as da canção com uma delicada urgência, entrelaça o jazz, o pop e o rock, entrelaça tempos e décadas com um sentimento atemporal de intensidade da presença, a voz é ela mesmo um híbrido da presença-ausência, quando digo híbrido não quero de modo algum dizer ambíguo, há uma precisão da leveza de um sentimento trágico do mundo que impede qualquer ambiguidade, o híbrido é o que contem em si mais de um mundo.
Este é um disco mestiço, híbrido, abertamente fechado como que costurado com linho fino feito de algas, de teias luminosas muito frágeis que seguram, sustentam esse voo para dentro do poema, da canção. Este disco é um anti-réquiem para uma época que se entrelaça com o presente porque ainda não foi devidamente avaliada, a época em que se iniciaram as produções independentes na música popular do Brasil, a época em que foram lançados Clara Crocodilo de Arrigo Barnabé, os discos de Itamar Assumpção, o primeiro disco de Ná Ozetti, os discos da extraordinária banda Rumos, obras que também defendiam-anunciavam esta mesma autonomia de um hibridismo, que floresce neste disco de Natalia Barros.
Este hibridismo-mestiçagem, mistura de lágrima blue e místico orvalho, mar e montanha sinfônicos nas entrelinhas dos poemas, recicantados e decantados. Existe aqui uma plenitude do feminino infinito em seu mergulho panteísta-místico dentro de evocações sutis da Natureza, quem está cantando é uma poeta na sua plenitude de quintal ao redor da mata, uma voz que se permite uma libertação de papéis e de capas. Uma vez perguntei ao Itamar depois de um show em Santos, se ele um dia lançaria um livro de poemas e ele me respondeu: ‘ Sim, um de poemas-não. Como estes discos de não-canções, sou um poeta-não, menino ‘ respondi que ele era um Poeta-Sim, que seus discos tinham canções-sim e poemas-sim, como os discos do Itamar, este também, atravessa os bem definidos Nãos de nosso tempo e de outros tempos, inclusive o não-do-não da morte e outros nãos, para chegar a um intenso e delicado SIM.
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