Discos Escondidos #029: Elomar – …Das Barrancas do Rio Gavião (1972)

Discos Escondidos #029: Elomar - ...Das Barrancas do Rio Gavião (1972)

Elomar Figueira Mello é um músico e compositor brasileiro nascido em 21 de Dezembro de 1937 em uma fazenda na região da Mata de Cipó de Vitória da Conquista.

O garoto, que até então só conhecia músicas do hinário cristão, aos sete anos de idade desperta para a música e a poesia com primeiros contatos com a música “profana” de menestréis errantes – especialmente os três Zés: Zé Krau, Zé Guelê e Zé Serradô

O site oficial do músico diz:  “Assim que ouviu os primeiros acordes de viola, violão e sanfona e as primeiras estrofes das tiranas dos côcos e parcelas dos três Zés, têm início as primeiras fugidas de casa, pelas bocas-de-noite, não só para ouvir como também, por excelência, para aprender os primeiros tons no braço do violão, o qual será, a partir dali, seu instrumento definitivo. Note-se bem que estas proezas davam-se às voltas e muito às escondidas, pois que não só para seus pais e parentes, como também para toda sociedade de então, labutar com música era coisa para vagabundo. Tocador de violão, viola ou sanfona, era sinônimo de irresponsável. As primeiras composições datam dos onze anos. Já a partir dos sete , oito anos quando vinha à cidade, toda noite ia à casa do Tio Flávio ouvir no rádio uma música estranha executada com instrumentos estranhos diferentes do violão, viola, sanfona etc… Música esta que mal começava logo, terminava. Anos mais tarde ao chegar a capital descobre que aquela música era a protofonia de “O Guarani” e quando mortificado também descobre escrita musical, a partitura e o que mais lhe causou espanto: a existência de milhares de músicas, escritas por milhares de compositores que viveram a partir de centenas de anos passados.”

Em 1972 (algumas fontes dizem que foi 1973, mas sigamos o site oficial do compositor), Elomar lança …Das Barrancas do Rio Gavião, um álbum no qual destrincha sua poesia, seu estilo trovadoresco, seu virtuosismo no violão e que nos conta algumas histórias que, com absoluta certeza, vamos carregar para além do disco.

Já a primeira faixa é onde Elomar canta a que veio, O Violeiro nada mais é que uma grande apresentação do cantor:

Vô cantá no canturi primero
as coisa lá da minha mudernage
qui mi fizero errante e violêro
eu falo séro i num é vadiage
i pra você qui agora está mi ôvino
juro inté pelo Santo Minino
Vige Maria qui ôve o qui eu digo
si fô mintira mi manda um castigo

Do álbum que me arrisco a apresentar aqui – e que não tem nada de escondido, ou que talvez até possa ter para alguns – destaco as faixas: O Violeiro, O PedidoIncelença do Amor Retirante, Joana Flor das AlagoasCantiga de Amigo, Retirada, Cantada e Canção da Catingueira.

Agora, sem mais delongas, Elomar e seu …Das Barrancas do Rio Gavião:

https://www.youtube.com/watch?v=YeXnmugqs_w

E para terminar, deixo aqui o texto que Vinicius de Moraes escreveu para a contracapa da primeira edição desse álbum:

“A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro, No dia em que “o sertão virar mar”, como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda “Duas Passagens”, entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio.

Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino – anjo a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou “causos” escabrosos de paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.

Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode “Francisco Orellana”, quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos – que usualmente é 10 graus – senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.

E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.

Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando a avista só atira nela de frente.
– Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! – diz ele em seu sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado que está da nossa suposta civilização.

Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas reconditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse:
– Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas…

É… Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas…”

Vinícius de Moraes
Abril de 1973

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Cineasta, escritor e compositor. Estudante de Filosofia e Artes Visuais. Vive procurando novos discos pra ouvir e é fanático pela música dos anos 60 e 70. Escreve sobre Discos Escondidos às vezes nem tão escondidos assim. Seu álbum "O Estrangeiro" foi lançado em julho de 2019. Confira nas plataformas digitais!