Espaguete de Linha Telefônica: Jonny Boy Gergelim
by Lucas Adon
Jogou o maço de cigarro no chão, como num ato de revolta à necessidade cíclica do seu cérebro. Seria parte de sua questão a escolha? O controle no meio de almofadas, entre alguns amendoins, o tapete com algumas bitucas amanhecidas. Enquanto Jonny Boy boia, morto em seu aquário, mudo como a televisão.
A atmosfera é essa, beira o desespero, o abandono, não fosse ele jovem.
O noticiário banca o esperto. Aparta brigas. Em sua quarta notícia relata amortecidamente numa poesia surreal, sensacional, mais uma tragédia humana para cabos de alta compreensão e ondas de satélite no vácuo:
– “Uma boa noite e até amanhã.”
Até que o abrir dos olhos rompe o pseudossilêncio. Acorda no sofá à luz apenas da TV. O reconhecimento involuntário e imediato traz um tipo de tranquilidade, não fosse a associação direta com as memórias relacionadas a sala da sua própria casa. É também a tentativa de situar-se na pseudonoção da temporalidade. Nada se movimenta do lado de fora. Aquele sentimento que só o que se mexe é por causa sua. Será que está tudo feito? Ou pode se manter aquela noção passageira e necessária de pseudocontrole? Motiva-se a fechar os olhos, o sofá é muito confortável, racionaliza a preguiça.
No dia seguinte acorda com um latido de cachorro. A almofada cheia de baba, o cabelo punk, sujo, ainda com alguns sucrilhos da tigela virada no sofá.
-Sorte não viver em um tribunal público, pensa.
Num primeiro ato condicionado pega o controle e muda de canal. A primeira palavra do dia: ‘ligue já! Jesus precisa de sua contribuição!’ Ao passo que olha para o seu calção azul que usa de pijama.Nada mais que a velha ereção matinal. Com cara de virgem pecador muda de canal.Era o errado.Típico controle remoto maldito que não funciona quando mal apontado.
– “Da boca pra fora tudo é mais agora!”, diz o mocinho do seriado pastelão norte americano, com risadas forçadas ao fundo.
Reflete: mais que os livros de Marx e de Lenin, os verdadeiros instrumentos da tomada de consciência revolucionária para os povos do Terceiro Mundo seriam esses enlatados gringos, porque, depois de ter visto essas limpas casinhas californianas com água encanada, geladeiras cheias e cozinhas repletas de acessórios, todos perceberiam instantaneamente a profunda injustiça existente no mundo (Sukarno, primeiro presidente da Indonésia). Com certeza, a invasão de refrigerantes e hambúrgueres foram piores que as duas bombas atômicas. O efeito da radiação passou mais rápido.
Agora sim, pôde levantar, por necessidade da barriga roncar, e tomar seu café da manhã – refrigerante e hambúrguer, envelhecidos, com gergelim. Pelo menos com gergelim.
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