Resenha: Iria Braga

Lembro de, quando criança, interessado pelos primeiros mistérios da música, ouvir as pessoas mais velhas se referindo a grandes intérpretes.

Era de Elis que eu mais ouvia falar. Naquela altura, eu não sabia muito bem o que era ser um intérprete, mas certamente achava algo especial, maior do que ser cantor.

Ouvindo “Elis e Tom”, de 1974, eu não podia achar outra coisa. Com o passar do tempo fui entender que Tom compunha. Hoje, mais tempo ainda depois, entendo que na verdade ele não compunha, mas sim desvendava músicas que já estavam compostas na natureza da vida.

Entendi também que Tom cantava, às vezes interpretava, mas Elis, ela sim, era intérprete. Doava sua voz aos outros sons. Sua voz era palavra, nota, partitura, compasso, mensagem, inspiração, e tudo mais o que está na receita de uma composição.

Elis compunha emoções.

Toda essa viagem aos meus tempos de criança deságua no primeiro trabalho solo de Iria Braga. E isso não tem nada a ver com Elis. Quer dizer, na verdade tem, sempre tem, porque a história é uma página depois da outra.

Mas o fato é que é muito bom ver a música brasileira iluminando e despertando novos intérpretes.

Celebrando essa linguagem diferente que é interpretar. Esse “namorar a música” com a delicadeza da licença, da qual os autores muitas vezes abrem mão ao estuprarem suas canções com seus direitos legítimos.

Iria escolhe nomes como Cartola, Arrigo Barnabé, Paulinho da Viola, George Bizet, Estrela Leminski e Indioney Rodrigues, esse último quem assina com rara pureza o texto de apresentação do disco.

E essa escolha do repertório não teve amarras. Representa a trajetória de uma voz que experimentou diversos prazeres e decidiu eternizar alguns deles.

Prazeres que chegam até nós e revivem o espetáculo da interpretação. Assim como o ator vadio, que doa seu corpo e sua alma para tocar o outro, Iria usa sua verdade mais limpa, sofisticada e absoluta. Usa sua voz.

Voz essa que eu tenho vontade de abraçar.

Mana