Exclusivo: Vulgue Tostoi

Exclusivo: Vulgue Tostoi
Vulgue Tostoi 1 - Crédito Roberto Marques

foto de Roberto Marques

Doce som se parte em Yasnaya Polyana

A arte deve ser um órgão moral da vida humana. Leon Tolstoi

Há pouco tempo atrás, assisti a um filme cujo título em brazuca é A última estação (The Last Station). Confesso que parei pra assistir pela presença deslumbrante da minha musa Helen Mirren, mas acabei curtindo pacas a película, que conta os últimos dias do escritor russo Leon Tolstoi, que por sinal tem uma história intrigante, pra dizer o mínimo.

Quando me foi pedido pra fazer a resenha do Vulgue, de cara a conexão entre “Tolstoi” & “Tostoi”, foi inevitável. Mas, bacana mesmo foi descobrir uma conexão que vai além dos nomes; Leon Tolstoi ficou muito rico e famoso (autor de Guerra e Paz) como escritor, mas, principalmente no fim de sua vida, sofria de uma grave crise moral, pois recusava qualquer tipo de opulência e sua riqueza era um fardo. Sua luta maior foi travada dentro de casa, com a mulher, que não entendia seus tormentos filosóficos internos. Resumindo fatos, aos 82 anos, o velho literalmente fugiu de casa pretendendo buscar uma vida simples e partiu num trem de terceira classe, onde contraiu uma pneumonia e morreu. Mas não morreu simplesmente. Morreu exiliado em uma estação de trem sob o rigoroso inverno russo.

Aí, ouvindo Vulgue me deparo com isso:

‘…E me tranquei aqui, assim ninguém me vê,
Assim ninguém me julga, ou se identifica,
Essa ilha é minha não é pra você!
Existo só, e sua opinião é nada!
Vagando nessa ilha exilado em mim,
Me escondo assim, vestindo tantas máscaras
Trocando de carcaça, dono dessa ilha, exilado em mim…’

A história do “exílio” me levou ao conceito de “fuga”. Curioso. Fuga em música é um estilo, ou melhor, uma técnica de composição muito difundida a partir do período barroco. A “Fuga” como fora originalmente concebida, pode-se dizer, não existe mais, devido à sua complexidade de possibilidades de variações. “A fuga é uma das formas contrapontísticas mais complexas e, como tal, compositores talentosos a têm utilizado para expressar o profundo (…) ela também representa um maior desafio à imaginação e ao senso de fantasia do compositor. A fuga é uma obra polifônica – vocal, instrumental ou ambos, em forma aberta. Há um espessamento gradual da textura à medida em que as vozes entram, com entradas alternadas nos níveis da tônica e da dominante”.

Na história da música ocidental, os músicos criativos, os compositores (que neste sentido inserem-se os arranjadores), buscam avidamente novas formas de fazer música, seja através da complexidade rítmica, harmônica melódica e etc.

Estas reflexões não são aleatórias com relação ao trabalho do Vulgue, que imprime uma marca muito específica na busca e experimentação de texturas musicais.

O tempo e a paciência são dois eternos beligerantes. Leon Tolstoi

Num tempo onde estilo musical é algo subjetivo desprendido de uma referência rítmica específica, onde tudo parece já ter sido feito, criado e recriado, a dupla insiste em buscar uma marca própria imprimindo qualidade ao som.

A maior qualidade do Vulgue ao meu ver, está na criação final. As letras bem escritas, a linha melódica, a cadência, o ritmo, servem-se à exploração das texturas e capacidade da integração perfeita no arranjo final de cada música.

Alguma coisa me lembrou da Dodecafonia de Arnold Schoenberg, Béla Bartók e Arrigo Barnabé. E também algo do Frank Zappa.

O primeiro álbum do Vulgue, Impaciência, foi lançado em 2000. Treze anos depois a banda lança Sistema delirante amplo e defasado da realidade. O hiato se deve um pouco ao fato de Jr. Tostoi ser um arranjador bastante solicitado por artistas como Lenine, Jards Macalé e mais um montão. Outro tanto, talvez se deva ao fato da entrega ao tempo artístico, que afinal, pode parecer defasado aos olhos comuns, mas em sua grandeza, artista que é artista de verdade, em sincronia perfeita com a deusa música, se deixa levar pelo tempo que ela mesma impõe.

Destaque para faixa “Doce” que tem a participação da Katia B. A música é perfeita!

“Na casa da matriz” é o exemplo da exploração do som dissonante, noise, dodecafônico. Provoca estranheza. Provocação insidiosa, delirante. Sensação de “fora do tempo”, outro tempo, outra realidade.

No arranjo de “Descontrole”, a linguagem sonora para exprimir a intenção semântica da palavra foi perfeita. A gente ouve a música e fica com uma sensação de que algo está ligeiramente fora de controle, como se a música, suave, fosse se descontrolar mesmo, quase romper com a linha melódica, através pontos dissonantes e um clima meio de suspense.

Em “Será preciso” a mágica foi conseguir uma condição sonora que prenuncia uma súplica. “Será preciso?… diga a verdade…” A colisão entre letra, melodia e arranjo foi incrivelmente bem sincronizada. Se você ouvisse a música sem a letra, ou se não entendesse a letra, sentira na própria coesão do som, a sensação de súplica… “diga a verdade…”

Vulgue Tostoi é som para amantes da música. Ouvidos atentos aos detalhes potencializam o prazer ao ouvir o som. Um bom equipamento de som, também vai fazer toda diferença e se rolar fones de ouvido estéreo, a experiência será puro êxtase. Pode apostar!

Um brinde à exploração das texturas! Um brinde a JR. Tostoi, alquimista mestre na arte de fundir matéria prima sonora e extrair ouro!

Cheers!

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Estuda música desde os 13 anos, desenvolve pesquisa na área da música independente , produtor de bandas de diversos estilos e compositor de trilhas sonoras.