Resenha: Makely Ka
by Di Pietro
Não é todo dia que um homem pega sua bicicleta e se lança no sertão seguindo a trilha de Riobaldo, jagunço-filósofo-narrador do memorável Grande Sertão: Veredas, fruto-rei do inventivo mago João Guimarães Rosa.
Como perguntaria Drummond, “João era tudo? / tudo escondido, florindo / como flor é flor, mesmo não semeada?” (de Um chamado João, de 1967, publicado três dias após a morte de Guimarães). Pois o que é a aventura desse homem em sua bicicleta, hoje, senão a busca da poesia a seco, da flor escondida, do “sertão místico disparando no exílio da linguagem comum”. Afinal, “o perigo também é prazeroso, não se pode viver é na paúra”.
Não é todo dia que esse mesmo homem aplica seu engenho para desenvolver um sistema que permite que suas pedaladas abasteçam de energia o farol da bicicleta e apetrechos como máquina fotográfica, computador e gravador. Adventos de um novo dialogar do eu consigo mesmo. Sertão e dessertão.
Não é todo dia que, existindo, esse aventureiro registra em áudio, vídeo e foto o trajeto feito, imortalizando e suspendendo na memória suas paisagens e personagens.
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E mais. Não é todo dia que a causa dessa viagem é procriar a arte. Não é todo dia que tudo isso vira transmídia. Vira música. Vira um disco de 15 atos. Vira obra na mão de um compositor destinado a ser notável.
Não é todo dia que surge um Makely Ka, e que ele e bicicleta se misturam, transformando quase 2.000km de pedaladas sertanejas em estruturas melódicas transbordantes de profundidade.
Não é todo dia que nasce um Guimarães Rosa, não é todo que se narra um Grande Sertão, não é todo dia que se corta um imenso sertão, não é todo dia que se faz música vendo esse sertão pela alma, na fundura da experiência, no avesso do avesso. Não é todo dia que o sertão inspira e vira nota, poesia, melodia.
Essa química definitivamente não é de todo dia. É um lampejo. Nonada.
Ouvir Cavalo Motor, segundo disco solo ou experimento antropológico (como queiram) do Valenciano Makely Ka, é um exercício inevitável de brasilidade.
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