Resenha: Nação Gigante e Eterna

Resenha: Nação Gigante e Eterna

Era noite quando recebi o cronograma de resenhas do Jardim. Fui bebericando um café enquanto fazia o download da planilha. Dois cliques e vamos conferir o que há para se amar no mundo da música. Era muita gente boa para traçar paralelos e externar sensações. Alguns tocam no meu player há séculos, outros jamais ouvi falar. Esse é o mágico universo da canção independente.

Há coisas que não se imagina. Acontecem. Como a próxima forma que a nuvem toma ou os rumos que toma-se na vida. E eu não poderia imaginar que a maior banda independente dos anos 90 e forte influência para quase tudo o que se fez após sua formação fosse cair em minhas mãos. Logo agora que minha vida vai, literalmente, da lama ao caos.

“Quando fica cicatriz, fica difícil esquecer”. E é assim, relendo o caos, que a Nação Zumbi ameniza a melodia, mas, mantém o discurso do mítico Afrociberdelia. Lembrei do lendário trecho de Mateus Enter: “Eu vim com a Nação Zumbi ao seu ouvido falar…” quando me deparei com o single Cicatriz. É o mesmo discurso, com nuances melódicas diferentes. São duas canções que ferem. Uma eterniza e a outra aterrissa. Ambas no seu pensamento.

Nação Zumbi 2014 já instiga na capa. Alusões à anatomia humana que parecem arrodeios de um sol na iminência do poente. Deve ser “A melhor hora da praia” ali, pulsando, viva, como uma ciranda que não para, temperada pela suave voz de Marisa Monte, participação especial nessa canção que revela as novas roupagens da banda. Mas, a capa também poderia ser um trecho da canção “Cuidado”: “Essa poça vermelha no chão, é sangue, não é tinta não. Veias, coração, desejos negados, às vezes encontram a contramão”. Preferi indefini-la. Nação é indefinível.

Se Chico Science pudesse voltar apenas por um show, acho que “Bala perdida”, “Foi de amor”, “Nunca te vi” e “Cuidado” seriam as canções que ele escolheria para cantar. Têm o peso característico da Nação, com aquele embalo frenético e lascivo das “cadeiras” de Chico. Além do contexto social que permeia quase o disco inteiro. “Bala perdida” é uma crônica sobre a violência numa tônica macro e íntima. “Cuidado” é um alerta, quase um grito ao pé do ouvido em forma de coro: “Não feche os olhos, não!”.

A beleza do vocal forte e pesado de Jorge dü Peixe deixa essa obra contemporânea da Nação ainda mais gigante. As famosas guitarras distorcidas e o batuque da banda incorporam-se a proposta desse disco de maneira impecável. Deu tudo certo, Nação. Vocês fizeram um grande trabalho. Vocês sempre serão gigantes, eternos, como um sonho dentro de um sonho.

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Escritor, compositor, produtor cultural e geminiano. Prefere orquestrar silêncios que causar barulho. É fã das canções que só são absorvidas usando fone de ouvido num lugar isolado.

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