Rolo Elétrico: A Pasteurização Americana
A pasteurização americana
Para quem realmente conhece a indústria internacional de cinema, sabe que há muitos filmes que foram produzidas fora do mainstream hollywoodiano.
Contudo, sendo a indústria multibilionária que é, Hollywood e a indústria americana não perdem tempo e fazem suas adaptações destes filmes. Mas o que fica em destaque não são os outros olhares, as formas que adaptam o enredo e o contexto do filme ao seu ponto de vista. O que se nota é, na maioria das vezes a perda de qualidade ou até mesmo um enfraquecimento no enredo.
A complexidade destes filmes talvez seja muito difícil para o público alvo? O americano de classe média talvez não queira tanta elaboração, diálogos intimistas e sólidos e reflexões? Fazendo as devidas comparações, deixo que constatem por si mesmos.
O terror emprestado
Se tirarmos os clássicos trashes, O Exorcista e O Exorcismo de Emily Rose e os mestres Hitchcock e Stephen King, os filmes de terror americanos em sua maioria são adaptações de outros fábricas, especialmente da ásia.
O Chamado e O Grito são os dois principais exemplos de remakes do cinema japonês. Conhecido por seus contos e histórias lendárias, o mercado asiático se utiliza muito bem do clima de horror e produz filmes interessantes. O primeiro teve sua adaptação feita de Ringu, de 1998.
O remake de 2002 dirigido por Gore Verbinski se saiu bem e conseguiu receber críticas positivas, juntamente com a versão americada de Ju-On, série de terror que originou o segundo filme citado previamente. Aqui a fórmula deu certo pelo diretor ter sido o mesmo e ter aproveitado boa parte do elenco e da história original.
E só para constar, não citarei Godzilla, pois as duas versões americanas (1998 e 2014) me deram uma enfática broxada.
Uma das adaptações mais recentes foi a do incrível mockumentary (falso documentário, exemplo: Bruxa de Blair) espanhol [rec], que conta a história de uma epidemia ~semspoilers~ que cerca um prédio com moradores, polícia, bombeiros e uma equipe de TV.
A versão americana, chamada de “Quarentena” com a Jennifer Carpenter, que é a Emily Rose (coincidência?) foi lançada em 2008.
Aqui sim, é visto uma intensa perda de qualidade. As cenas de ação não são bem feitas, os cortes e o jogo de câmeras não consegue transmitir a sensação de desespero e aflição como no espanhol.
Os dramas, os acertos e uma crítica intensa
Dentre as adaptações mais famosas, destaco logo de início para mim uma das melhores, se não a melhor.
Os Infiltrados é um longa de 2006, dirigido pelo genial Martin Scorsese e estrelado pelo trio de ação que estava em alta na época, Mark Whalberg, Matt Damon e Leonardo DiCaprio, que viria anos depois a se destacar mais que os outros doisa, além é claro de Jack Nicholson. O filme envolve corrupção policial e política envolvida na guerra contra o narcotráfico. Vencedor de quatro Oscar, incluindo melhor filme, Os Infiltrados se destacou e é considerado um dos melhores filmes de Scorsese.
Seu grande sucesso, porém, se deve ao original MouGaan Dou, ou Infernal Affairs, trilogia produzida no ano de 2002 em Hong Kong ser igualmente ótimo. O roteiro original foi adaptado, tanto que rendeu um Oscar de melhor roteiro adaptado ao americano, mas o filme chinês é considerado um dos melhores thrillers do século XX. Pela profundidade e realismo, pela violência bem características e crua e por suas críticas positivas em Hong Kong, posso dizer que o original e o americano têm sua mesma parcela de qualidade.
Um outro acerto ao meu ver, mas que foi criticado devido às diferenças que há entre cada indústria, foi The Girl withthe Dragon Tattoo, a versão americana do aclamado David FIncher (Seven, Fight Club e Gone Girl) baseada na trilogia literária Millenium do sueco Stieg Larsson. Eu reconheço que a versão sueca é melhor por ser muito fiel aos livros e por ter o clima bem compromissado. Contudo, a versão americana se fundamente neste aspecto de um clima sombrio que o Fincher conhece bem.
A versão americana fica ainda um pouco atrás, mas não é um filme ruim. Foi bem na crítica internacional e aliado à atuação pé na porta de Rooney Mara, o filme é uma boa atuação, com sua considerável violência e clima.
Vale salientar aqui que não é uma adaptação de filmes, mas sim versões diferentes sobre a mesma obra.
Céu de baunilha… ou cor de pastel?
Neste exemplo, pontuo a minha irritação com a questão de “rostos bonitos” geram renda. E não, não é o rosto lindo da Penélope Cruz. E sim, de Tom Cruise.
Quando a adaptação do lindíssimo filme espanhol “Abre losojos” foi anunciada, eu achei que o rosto que iria estampar os cartazes e produtos relacionados ao filme seriam da atriz que está nos dois filmes. Mas “Vanilla Sky” foi ao rumo errado tanto na escolha de seu carro-chefe quanto na interpretação do roteiro.
Dirigido por Cameron Crowe e lançado em 2001, o filme americano veio com uma pegada sci-fi implicitamente exagerada. Os efeitos e os efeitos de luzes e câmera o transformaram em uma ficção científica boba e sem fundamentos. O roteiro tinha nuances bem mais simples e robóticos.
A interação não funcionou bem e nem a presença de Tilda Swintom na adaptação funcionou. É muito inferior. Coitada, até a Penélope teve sua atuação bem mais regrada e contida.
Guerra fria e o cinema aquecido
Bom, este texto não é uma aula de história mas bom frisar o conceito. A Guerra Fria foi uma guerra travada entre E.U.A e União Soviética que teve início após a Segunda Guerra Mundial e se estendeu até o rompimento da União Soviética em 1991.
Neste meio tempo, os dois países aqueceram suas indústrias e não houve somente uma corrida espacial. A corrida cultural, a produção de cultura foi gigantesca dos dois lados. E na época, um dos grandes filmes de ficção científica foi produzido. Em 1972, o russo Solyaris, do inteligente e ousado Andrei Tarkovski saiu nos cinemas do mundo e explodiam cabeças. O filme é adaptado do livro de mesmo nome, do polonês Stanislaw Lem, publicado em 1961.
O sci-fi narra a história de um psiquiatra que é mandado para uma estação especial que orbita o planeta Solaris, na tentativa de descobrir o que houve de errado com a tripulação, em relação à comunicação deles com os habitantes do planeta.
A ideia do filme é representar a solarística, que é um estudo que há a possibilidade de existir inteligência “não-humana” referente ao planeta.
As imersões do filme original são incríveis e muito bem feitas, até mesmo a concentração humana e das formas de se comunicar. No entanto, a versão americana ficou à desejar, pelo foco exagerado nos diálogos e na dependência das pessoas com o que é real e o que faz ser real. O precisar da ilusão.
Fato curioso: Tarkovski repudia o filme “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Segundo ele, a obra prima de Stanley Kubrick é estéril, vazia e mentirosa.
Bem, fica a vocês decidirem o que é melhor. O cinema americano tem sua perda de qualidade quando adapta os filmes? É só questão de ponto de vista?
Recommended Posts
Perfume Azul do Sol – 1974 Nascimento
março 22, 2021