Rotações: Arthur Nogueira
by Renata Luiz
Não é de hoje que sempre que penso em Arthur me vem uma imagem de uma onda cheia de espuma arrebentandoem pedras. Arthur Nogueira é uma onda que se forma suave quando se permite ecoar seu timbre de voz arrebatador. Forma-se e é carregada para aquém-mar nas palavras colocadas de forma caprichosa a cada verso, que fazem de suas canções verdadeiras poesias contemporâneas. Não é à toa que, além de um músico primoroso, ele também é jornalista comprometido com a poesia, tendo organizado recentemente um livro sobre o poeta Antônio Cícero. A onda-Arthur é um artista muito singular, o que o faz ter uma quebra monstruosa nas paredes rochosas de qualquer crítico musical que analisa o cenário brasileiro. Bate, penetra e modela o público a seu favor com tamanha ligeireza com a qual desperta a atenção por meio de seu trabalho.
Sua estreia veio com o disco Mundano, em 2009, que foi resultado de shows com esse mesmo nome feitos em sua terra natal, Belém do Pará. Esse mesmo processo utilizado por Arthur na sua estreia, vem sendo utilizado agora para o seu segundo disco. O músico fez algumas apresentações com canções presentes em Peixe Nada, que só será lançado em 2015 pelo selo Joia Moderna. Apesar de parecer que Arthur entrou em um recesso produtivo, ele lançou dois compactos ao longo desse tempo, o primeiro foi um “bis” de seu primeiro CD, de 2010, e o segundo foi lançado no ano passado, Mundano+ e Entremargens, respectivamente.
A certeza de que Arthur é um músico Walyniano não é contestável, suas características o coloca em um espaço junto a Adriana Calcanhotto e Jards Macalé, por exemplo. O paraense, que hoje reside em terras paulistanas, tem parcerias incríveis para a composição de suas canções – o próprio Antônio Cícero, Felipe Cordeiro (pioneiro na Rotações) e outros – apesar de ser o autor de muitas delas.Com amizades e referências tão marcantes, é natural que Arthur tenha muito o que falar sobre suas influências, por isso ele conta – aqui – um pouco sobre o disco que mais o tocou.
Só resta desejar que a onda-Arthur traga logo seu peixe nadando entre margens mundanas e bata com toda a força nas rochas de suas plateias pelos quatro cantos do Brasil, plateia clamorosa para sofrer a erosão transformadora e tatuadora de almas – deixando inscrições e impressões maravilhosas – chamada Arthur Nogueira.
“Aprendi a ouvir Maria Bethânia com minha mãe. Ela colocava o disco Mel e chorava copiosamente. Eu, muito criança, ficava triste por vê-la chorar, mas o tempo passou e compreendi que aquelas lágrimas não eram de tristeza. Eram as lágrimas de encantamento de quem repetia, com uma autoridade inabalável, de mãe: “é a maior cantora do mundo”.Quando tocava Loucura, de Lupicínio Rodrigues, ela falava do pai, o avô que eu não conheci, mas que, diante dos sentimentos que Bethânia despertava, não tenho dúvidas de que foi um homem muito, muito especial. Sempre que ouço Mel, penso em minha mãe e preencho o vazio de não morar na mesma cidade que ela. Aliás, assim que cheguei em São Paulo, encontrei o vinil em uma feira e esse repertório foi a trilha das primeiras manhãs de inverno. Ela e eu (Caetano Veloso), Gota de sangue (Angela Ro Ro) e Grito de alerta (Gonzaguinha) são as minhas preferidas, além, é claro, da faixa-título, com melodia de Caetano e letra de Waly Salomão. Pouca gente sabe, mas “lambe-olhos”, “torce-cabelos”, “feiticeira” e “vamo-nos embora” são nomes de abelhas, que Waly aprendeu em um livro de Claude Lévi-Strauss. Por causa de minha mãe, porque ouvi Mel desde tão cedo, virei fã de Maria Bethânia, a cantora que levou aos palcos brasileiros os versos de grandes poetas, comprovando que a poesia não é só dos livros, mas também da voz, do violão e de quem se dispuser a experimentar os seus momentos de nenhuma urgência e rara beleza.”
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