Artigo: Senta e Escuta Essa Musica
É conhecendo e valorizando o passado que podemos vislumbrar um futuro diferente da mesmice do presente. Admirar a produção musical e prestar uma homenagem ao artista ainda vivo, dá gás para que ele continue presenteando o público com sua composição. De alguns meses para cá o Brasil enxergou nas redes sociais e nas editorias de cultura dos mais diversos veículos de comunição nomes que até então não faziam parte de seu cotidiano musical. Nomes como Péricles Cavalcanti, Jards Macalé e Ângela Rô Rô, grandes compositores brasileiros, voltaram a se fazer presente nos ouvidos das pessoas, pelos tributos que receberam.
Puxando a fila de tributos lançados nos últimos meses, redescobrimos a obra de Péricles Cavalcanti, compositor que atravessa décadas e sempre agrega gerações em torno de suas letras e músicas. Já foi gravado por Gal Costa, Caetano Veloso e Adriana Calcanhoto e, em novembro de 2012, enaltecido pela geração de novas cantoras brasileiras. “A ideia foi do Zé Pedro (DJ e produtor musical) que me convidou pra ser curadora do projeto. Ele, na sua gravadora Jóia Moderna, já havia feito projetos na mesma linha homenageando a obra de Marina Lima e Guilherme Arantes. Daí me chamou pra escolher que canções entrariam no disco e que cantoras participariam”, explicou Nina Cavalcanti, que além de ser curadora do disco é filha de Péricles.
Durante os três meses de produção, Nina até tentou manter segredo, mas não conseguiu. “Olha, foi difícil guardar segredo mas meu pai só ouviu o disco pronto. Não participou de nada. Eu quis isso para que ficasse um disco sobre o trabalho dele e também para que cada intérprete ficasse o mais a vontade possível. Às vezes as próprias cantoras consultavam ele a respeito de uma letra, o significado de um verso, e acho que ele curtiu muito isso e depois mais ainda quando escutou o resultado”, revelou.
Nina Becker, Céu, Mallu Magalhães, Blubell, Mairah Rocha, Marietta Vital, Iara Rennó, Serena e Anelis Assumpção, Tulipa Ruiz, Karina Buhr, Bárbara Eugência, Laura Lavieri, Tiê, Ava Rocha e Juliana Kehl e Juliana Perdigão. Este foi o time de sereias escalado para dar vida à composição de Péricles Cavalcanti. “Em alguns casos a certeza de que aquela cantora participaria me fez pensar imediatamente numa canção pra ela. Em outros casos eu parti da própria canção, levando em conta a obra do meu pai desde os anos 70 até hoje dia, de forma que o disco pudesse dar um panorama bacana do trabalho dele. Naturalmente fui pensando em quem eu gostaria que participasse. Acho que os critérios principais para escolha das cantoras foram afeto e admiração. Dei carta branca pra cada uma fazer como quisesse sua gravação”.
Foi uma homenagem de filha para pai, de fã para artista, ou de admiradora para músico?
Acho que foi um pouco de tudo. Um bom jeito de me dar conta do trabalho lindo do meu pai, até com um pouco de distanciamento, porque eu queria muito que fosse um disco bonito, que as cantoras se identificassem e se envolvessem com a canção. Pode se dizer que foi uma homenagem amorosa, mas também de alguém que curte muito ouvir música. Quando escutei o disco depois de pronto, achei que ficou maravilhoso! Cada cantora fez com tanto carinho, se envolveu tanto e colocou sua personalidade ali. O resultado foi uma coleção de recriações super diferentes entre si, com muita personalidade, mas que juntas tem uma unidade incrível. Revelou um trabalho lindo de composição do meu pai ao longo dos anos e reafirmou a força dessas cantoras artistas. Muito especial!
A proposta desta homenagem é a mais diferente dos discos citados por aqui. Na contramão da peneirada em toda obra do artista, o “E Volto a Curtir” é um tributo ao primeiro disco lançado por Jards Macalé em 1973, “Revendo amigos”: “Se me der na veneta eu vou/ Se me der na veneta eu mato/ Se me der na veneta eu morro/ E volto pra curtir”. O álbum é o primeiro produzido pelo selo Banda Desenhada, que surgiu há dois anos com o objetivo de radiografar a atual produção musical.
“Primeiro escolhi o artista a ser homenageado, ouvi toda a sua obra para poder ver qual seria a melhor forma de produzir este tributo. Achei que a melhor solução era regravar um álbum inteiro para que houvesse uma sensação de obra fechada, de “início, meio e fim” e que não fosse apenas uma seleção de canções conhecidas”, ilustrou o pesquisador musical Márcio Bulk, responsável por toda curadoria do projeto. Ele quis fazer um link entre a atual geração e os “malditos”, uma leva de artistas dos anos 70/80 que desenvolveram suas carreiras distantes do mainstream, caso de Tom Zé, Jorge Mautner e Itamar Assumpção.
Marcia Castro, Metá Metá, Filipe Catto, Apanhador Só, Ava Rocha, Leo Cavalcanti, Arícia Mess, Rafael Castro, Letuce, Garotas Suecas e Bruno Cosentino & Marcos Campello, foram os responsáveis em recriar as músicas de Jards. “Eu que escolhi os músicos e as faixas para cada um. Claro que houve diálogo, mas todos curtiram bastante suas respectivas faixas. Pelo menos que eu saiba! [Risos). Quanto aos arranjos, eles tiveram liberdade total. Só ouvi as faixas quando eles me enviaram para masterizar.”, finaliza Bulk.
Pretende continuar com os tributos?
Só se algum produtor mágico escrever um projeto para algum edital. Este projeto do Macalé acabou com toda a minha caderneta de poupança! (Risos). Mas eu adorei o resultado. As composições do Macalé e daquele dream team de poetas ainda são muitíssimo pertinentes e dialogam muito bem com as novas gerações. Fiquei muito orgulhoso!
Este é um álbum tributo a toda composição de Angela Rô Rô produzido por Zé Pedro e Marcus Preto, com releituras de clássicos do repertório da cantora, feitas por cantores da cena musical atual. “Coitadinha Bem Feito” traz em suas faixas Leo Cavalcanti, Romulo Fróes, Tatá Aeroplano, Lira, Gui Amabis, Rodrigo Campos, Pélico, Kiko Dinucci, Rael, Gustavo Galo, Dani Black, Juliano Gauche, Adriano Cintra, Otto, Thiago Pethit, Lucas Santtana e Helio Flanders, que vem justamente na contramão do “Mulheres”, reunindo apenas cantores nas faixas.
O mais legal de todos estes discos é que todos eles estão disponíveis para download. Então para dar mais sabor à esta experiência, vá até o site de cada um dos tributos e baixe gratuitamente o material. Garanto: você não irá se arrepender!
Carlos Nascimento Jr.
Filho de chocadeira. A ovelha negra da família! Perdido há mais de três anos em São Paulo! Jornalista por formação. Fez cinema pra ver no que que dá. Não deu em nada. Trabalha com rural mas é na música que está seu deleite. Não sabe tocar nenhum instrumento, mas finge que é uma beleza.