Sobre Dor e Coragem

Sobre Dor e Coragem

Entre as esquinas da canção, quando a poesia se faz incauta, na contramão das construções tardias, existe um mundo quase inabitado.

“Um deserto”.

A poesia e seus assombros. A dor aguda. Sua cura. As mais altas temperaturas. E uma voz agoniada, trêmula, embargada e completamente entregue. Entrega que se percebe na sensação abismal e fluída da capa, que vi pela primeira vez enquanto ouvia o genial Pink Moon de Nick Drake.

“Um teatro sobre-humano”.

Numa época urgente, pulsante e rarefeita, poucas vezes vi alguém tão entregue emocionalmente à sua criação. É como se o criador fosse, tão somente, sua própria criatura orando para deuses inacessíveis. A voz quase esquizofrênica abre um leste no peito. E a gente viaja por lugares que jamais imaginou.

Porque as ruas do pensamento só possuem um sentido: voar.

Dilacerado, em carne viva e ébria, se faz uma linha tênue entre cicatriz e navalha, onde se chora e se liberta na mesma vibração, como se um pequeno holocausto acontecesse a cada evolução do piano.  E sobre as bênçãos da mulher do fim do mundo, André Morais recria, com brilhantismo, o clima vocal e almático das canções de Lupicínio Rodrigues, com pétalas de Cartola, Jair Naves e Lô Borges.

Eis aqui um tratado singular sobre dor e coragem.


Capa

Artista/Banda: André Morais
Álbum: Dilacerado
Ano: 2015

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Escritor, compositor, produtor cultural e geminiano. Prefere orquestrar silêncios que causar barulho. É fã das canções que só são absorvidas usando fone de ouvido num lugar isolado.

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