Artigo: Vinicius de Moraes | Saudades do Poeta

Artigo: Vinicius de Moraes | Saudades do Poeta

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Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar

Trecho de Poema de Natal, Vinicius de Moraes.

Pois justamente para isso Vinicius foi feito. Antes de começar nossa viagem, volte ao ano de 1958. Pegue o disco Chega de Saudade, coloque na vitrola e vá até a faixa um. Se você não tem uma vitrola para escutar, serve a busca no Youtube. O importante é sentir a canção. Qual?! Ao final deste texto você descobrirá, mas o sentimento descrito na poesia da música só irá aumentar.

Em 19 de outubro de 2013 será comemorado o centenário de Vinicius de Moraes. Diplomata, trovador, compositor, apaixonado por música, o Poetinha, como era chamado pelos amigos, viveu uma vida entregue às paixões. Seja pela carreira no Itamaraty como diplomata, suas viagens, mulheres, as nove esposas, seus cinco filhos, cigarros, os vários copos de whisky – o cachorro engarrafado, Vinicius era intenso e devotava o mesmo amor em cada uma destas funções.

Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. No campo musical, o Poetinha teve como principais parceiros: Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra. O pesquisador musical Thiago Sogayar Bechara fala da importância das parcerias de Vinicius, que renderam excelentes frutos: “Suas amizades com homens como Pablo Neruda, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond e tantos outros, comprovam a sensibilidade deste homem que lançou seu primeiro livro aos 20 anos e que, desde então, não parou de conquistar, gradativamente, a simpatia e o carinho de toda uma nação que o associa imediatamente por meio de seus versos e letras de música”.

Vinícius era predestinado à poesia. Filho de um casal da classe média, nasceu dia 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea (RJ). Formou-se em Direito, mas não exerceu a advocacia por mais de um mês. Trabalhou como redator, foi crítico de cinema durante algum tempo (combateu o cinema falado), e foi censor cinematográfico. Em 1943 ingressou na carreira diplomática. Serviu em Los Angeles e em Paris, onde era mais encontrado nos bistrôs (em que tomava bons vinhos) do que na embaixada onde dava expediente.

Apesar de notória aversão ao trabalho burocrático, exerceu o ofício até ser aposentado, compulsoriamente, pelo AI-5, em 1968. Ao perder o emprego, porém, já se dedicava para a Música Popular Brasileira. Depois de deixar o Itamaraty, passou a viver de música, apresentando-se ao lado de Toquinho, do Quarteto em Cy, de Maria Creuza, entre outros.  Participou do surgimento da bossa nova e foi autor de clássicos como a Canção do Amor Demais, Soneto da Separação e Garota de Ipanema.

Para Bechara, certamente a presença de Vinicius marca de modo fundamental não apenas a história da música, como da literatura brasileira. “Ele pertenceu a um tempo em que a profusão de grandes intelectuais e de transformações sociais propiciava um convívio dinâmico e enriquecedor, que gerava artistas capazes de dialogar tanto com o universo popular quanto com o erudito”.

 

Com as lágrimas do tempo
e a cal do meu dia
eu fiz o cimento
da minha poesia

Trecho de Poética (II).

Vinicius publicou mais de 400 poemas reunidos em 12 livros e várias antologias pessoais. Também escreveu crônicas, peças de teatro e críticas de cinema. Foi um bom poeta e também um poeta popular. E não só no Brasil. Dos poetas brasileiros foi um dos mais traduzidos. E pelo mundo afora seus versos são conhecidos até hoje. “É claro que adorei aquela maneira coloquial que Vinicius tinha de escrever. Não tenho dúvidas de que o compositor que me tornei foi diretamente influenciado por ele. E todo o Brasil, e até indiretamente o mundo, por meio das versões de suas canções, também o foi, por sua maneira direta e suave de falar de amor, da beleza e das coisas do mundo, enfim! E isso é pra sempre; tá aí, para todos, até hoje”, lembrou o compositor Péricles Cavalcanti, que teve seu primeiro contato com a obra de Vinicius de Moraes nos anos de 1960, através de suas letras nos discos da Bossa Nova, especialmente nos de João Gilberto, nas parcerias dele com Tom Jobim.

Talvez esse seja um dos divisores de água da obra de Vinicius. A música, a poesia, e o trabalho intelectual de Vinicius conciliaram e puseram em diálogo esses dois universos aparentemente distantes (popular e erudito) fizeram dele um nome-chave para a compreensão de movimentos estéticos como a Bossa Nova e o Modernismo.

Foram tantas as canções, cigarros, poemas, textos, whiskys, rascunhos, mulheres, enfim, uma vida de excessos e de amores que fizeram Vinicius de Moraes ser quem ele é hoje na história da cultura brasileira. Vinicius se dedicou a viver a vida intensamente, é o que dizem os versos de outra conhecida canção sua Como Dizia o Poeta: “Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu…”. Péricles acredita que a importância da poesia e das letras de canções dele é imensurável “e não há compositor, ou mesmo artista brasileiro, que não tenha sido, em algum momento e de alguma maneira, tocado pelo seu estilo despojado e amoroso”.

Durante todo este ano, e até outubro de 2014, o Brasil festejará o centenário do artista. Além de uma série de shows – menores, em lugares que fizeram parte da vida de Vinicius de Moraes; ou maiores, com grandes cantores da música brasileira que foram influenciados por ele – também estão previstos exposições sobre a obra e a vida do Poetinha em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, estado que o inspirou, principalmente, na composição dos Afrosambas, em 1966, em parceria com Baden Powell.

“Onde anda você…”Poetinha”? Saudade mandou te buscar”, já dizia o enredo deste ano da escola de samba carioca União da Ilha, que homenageou o poeta. Já adivinhou qual é a música que tanto nos acompanhou nesta viagem? “Chega de Saudade”, Vinícius, volta pra cá, aqui é seu lugar.

Toquinho tocando pra Vinicius

Amizade longa data.

O cantor e compositor Toquinho conheceu Vinicius como ninguém. Ele foi amigo e parceiro musical do poeta por anos. Nesse período, a dupla compôs pérolas como Tarde em Itapoã, Como Dizia o Poeta e A Tonga da Mironga do Kabuletê. Foram mais de cem composições.

Minha parceria com Vinicius se desenvolveu envolta numa grande amizade. Desde logo percebemos que gostávamos das mesmas coisas e que fazer música era, acima de tudo, um divertimento responsável. Mesmo assim, a música nascia como complemento da própria vida. O mais importante era viver, saborear os momentos que a amizade proporcionava. Aprendi muito com Vinicius, conviver com ele – poeta ou homem comum – me fizeram um ser humano mais tranquilo e responsável. Ele me ensinou a lidar com as palavras e com o palco. Foi uma troca: eu o fortaleci de fôlego e juventude.

São tantas as canções.  São tantos os poemas. Porém, pela importância e popularidade atingida, eu escolho a seguinte:

 

Soneto de Fidelidade

[audio:http://www.jardimdampb.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Soneto-de-Fidelidade.mp3]

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 
 
 
 
 
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Filho de chocadeira. A ovelha negra da família! Perdido há mais de três anos em São Paulo! Jornalista por formação. Fez cinema pra ver no que que dá. Não deu em nada. Trabalha com rural mas é na música que está seu deleite. Não sabe tocar nenhum instrumento, mas finge que é uma beleza.