Yo Soy Toño e esse Canal vai te colocar pra rimar
Abri na página do livro que dizia, humildemente: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Já ouvi a frase de Tolstoi em um teatro de rua, modificada e aprimorada para o momento. ‘Se queres ser universal, canta a tua aldeia’. Antonio Oiticica, artista único conhecido como “Yo Soy Toño”, cresceu, pintou, contornou e reuniu todas as aldeias possíveis. Por isso é mestre na arrumação das letras e melodias. Sua mais nova música: “Canal”, surpreendente mistura entre firmeza e cuidado, brota no ouvido como chuva pela manhã.
O jovem barbudo, habitante do mundo criado entre sua aldeia de nascimento, Rio de Janeiro, e Maceió, cidade em que cresceu, acredita que tem musicado muito encontros e desencontros, chegadas e partidas. Essa é a sua temática. Antonio Oiticica lançou o single Trilhos com duas versões de músicas que havia estreado, em 2014, como trilha do filme Entre Pontos. Além da faixa-título, vem também Canal. O artista afirma que a música significa, junto com Trilhos, uma virada no projeto Yo Soy Toño.
Canal é o contrário do grito, que acredito não ser o silêncio. É calma. É a calma última vestida de dessas dores que passam pelo corpo e encontram no papel um caminho. “São minhas primeiras músicas com banda e marcam minha vontade de continuar nesse campo. Mas não deixa de ser algo que eu esperasse”, diz o compositor. Ao ouvir o começo cuidadoso da faixa, penso que Antonio – como prefiro nomeá-lo, assim simples – fala de passado, fala com a ponta afiada da composição em riste, pra cima.
Engenhosamente encaixa ali o que queríamos ter falado, mas faltou aquela coragem, aquele papel na hora, faltou ter o que dizer. Ele tem. Ele diz. Ele mostra. E por isso, unicamente, por ter motivo e circunstância, merece aquele lugar no toque do celular, na playlist do carro. Acredito que o músico tenha conquistado esse lugar de direito depois dos versos tão harmoniosos. E ainda escreve isso:
“Eu sou voz, saliva e fumaça
Sinal de fogo, sou terremoto ou pisca-alerta
Eu sou voz, saliva e fumaça
Escala Richter, sou toda rixa com a mais recente novidade”
O novo formato do projeto acompanha os shows que Toño tem feito. O artista acredita no ‘compartilhar música’ e gosta de se envolver com pessoas que estão começando para trabalhar. Traço marcante dessa geração de musicistas, compositores, ‘multi tarefados’ artistas, a cumplicidade vem em forma de troca nesses arranjos. Mesmo assim, enxergo Canal como um sentimento solitário. Feito por um homem, sentido por um, vivido por um, pensado pelo mesmo. Talvez seja esse o ganho. A capacidade de unir e separar letras e melodias.
O projeto como um todo ensina a colocar as explosões internar para o lado de fora, em forma de beleza. Queria ser da aldeia desse cara, e poder partilhar essas sensações. E no meio daquela voz quase rouca, a guitarra, o coro, a intensidade e logo o sossego. A paz escancarada. Não adianta, é quase impossível ouvir a faixa e não querer repeti-la. Impossível ou invariável? Ouça e descubra.
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