Karnak – Estamos Adorando Tókio – 2.000

Karnak  - Estamos Adorando Tókio - 2.000

Em 1992, André Abujamra, vocalista e guitarrista principal, após terminar seu duo Os Mulheres Negras, que formava com seu amigo Maurício Pereira, partiu para uma viagem por várias localidades do mundo, munido de um gravador de som. Através dele, coletou muitos tipos de música diferentes, pensando em criar uma banda com essas influências, mas também misturando sons brasileiros tradicionais e modernos, como rock, pop e música eletrônica. Um dos destinos da viagem foi o vilarejo de Karnak, um complexo de templos antigos no Egito. Maravilhado com a beleza do local, ele deu esse nome para sua nova banda.

De volta ao Brasil, ele chamou vários músicos para formar sua banda, sendo que a maioria eram amigos próximos, chegando ao ponto dele manter dois bateristas na banda pois ele os considerava muito bons e era muito amigo dos dois, sendo impossível dispensar um deles. Com dez músicos, dois atores e um cachorro(!!!), o Karnak iniciou suas atividades.

Vi muitas vezes o Karnak tocando, em especial em SESC por São Paulo e digo, um show maravilhoso. Abu sempre soube conduzir um show excelente, mesmo sendo longo (vi um show de quase 3hs de duração que não pareceu tanto tempo). Apesar de não ser uma banda de humor, Abu concentra as letras do Karnak com uma leve ironia e ótimo bom humor, além de críticas lindas (que veremos no decorrer deste texto).

Foi difícil escolher um disco do Karnak pra resenha, mas acabei indo pro de 2.000 pela sonoridade da banda, muito mais “redonda” que os discos anteriores, apesar de eu gostar mais do Universo Umbigo.

Bora lá curtir o som?

 

O disco abre com a “Abertura Russa”, que, segundo Abujanra em entrevista aos seu pai no programa Provocações (in memorian), não fala russo e não acha que fala, sabe apenas algumas palavras. Isso vale pensar na voz e nas palavras como um instrumento também, algo que o Karnak nos trouxe muito bem. Não importa se a letra não faz sentido (Débil Metal dos Mamonas Assassinas é nessa linha, palavras aleatórias), o que importa é a sonoridade agradando aos ouvidos. O disco segue na segunda música com a mesma música, porém mais estilo Russo. Essas músicas têm parceria com Paulinho Moska (outro gênio da música brasileira). Uma observação. Revoltante a abertura da Copa do Mundo da Rússia não ter tido esta canção. 

A terceira faixa é “Juvenar”, uma das mais brilhantes composições de Abu com CArneiro Sandalo. Conta a história de alguém triste por morar na cidade grande e sonha com a vida interiorana, mais especificamente, na roça. Me vejo demais nessa letra. O interessante é a declamação em inglês próximo ao final da música, que ao final do disco repete-se só que em português (não seja ansioso/a, vai vir novamente o som).

 

A quarta faixa do álbum é a que denomina-o. Ótima canção em parceria com Sérgio Bartolo, com destaque a uma estrofe específica “As águas é que são felizes, não têm que ter visto pra entrar no país…”  Uma letra sensacional sobre diversos locais do mundo. Segue com a quarta faixa, “Mó Muntuera”, uma letra um tanto maluca e bem humorada.

A música emenda sem cortes para “3 Aliens in L.A.”, uma música bem pra cima com os metais fritando no ouvido, com partes de voz que lembra até um rap em sua continuação na faixa seguinte. Abu não tem limites (sorte nossa).

 

A oitava faixa do disco é a “Sósereiseuseforso / Nuvem Passageira” de André Abujamra e Hermes Aquino. Essa coisa de emendar músicas é bem bacana no disco, e a letra de Nuvem… prestenção que vai mue de lindo.

 

“We Need Nothing” é uma linda canção, que sua letra termina em “Nóis existe pra fazer amor”. E existimos pra que, além de amar? Vale o destaque para a melodia e os efeitos de vozes, tanto primeira quanto segunda voz. A qualidade da mixagem deste disco é alta demais.

 

Em “Mediocritas” aparece uma crítica social bem interessante, em que a música vai crescendo e ao chegar no refrão joga-se um rock n roll de primeira, repetindo a poesia porém com outra melodia. Esse Abu…

 

A parceria de Abu com Theo Werneck, dois gênios, é linda em “Zoo”, uma crítica que mostra como os animais podem se sentir tristes em um zoológico, invejando cães e gatos que não são presos (ao menos não ali). O fim da música cresce bastante, com a letra pedindo para tirar os bichos e colocar os homens nas jaulas.  Galera vegana quem vai curtir bastante.

 

Nisso o disco segue com a faixa “Depois da Chuva”, que é a única sem impacto, mas não menos importantemente otimamente lindamente faixa. Lembra um pouco os sons que o Skank vinha fazendo naquela época. Seguida por “Ninguémpomaquide” mais uma das maluquices de Abu, que inicia um mantra lindo e vai pro lado mais pop eletrônico em uma mistura alucinante. O refrão gruda demais na cabeça, é sério. Abu, por ser maestro, deve ter feito isso propositalmente, estudado o lado psicológico da melodia de voz…

 

Agora vem, em minha opinião, a melhor música da banda e um dos principais motivos pelo qual escolhi este disco. “Maria Inês” conta a história de uma moça que, cansada de apanhar do marido, mata-o e é perseguida por causa disso. Quem a persegue acaba morrendo também, até o momento que ela fica acuada e, ao invés de se entregar para os algozes, corta o próprio pescoço. “Maria Inês pegou a faca, eu me mato, ninguém me mata”… Daria um ótimo enredo de filme e, sinceramente, tenho muita vontade de escrever e dirigir uma peça de teatro baseado nesta letra (libera o direito ae Abu, mas só no dia que eu tiver um grupo para tal). É uma letra genial, uma história fantástica com uma melodia que acompanha perfeitamente o clima da canção. Serei repetitivo, redundante, chato, narigudo, ao falar novamente isso, mas Abu é um gênio…

 

O disco vai chegando ao final com “Feio/Bonito”, uma música um tanto engraçada pelo jogo de vozes, e a repetição de “Juvenar”, essa sim com a declamação em português.

 

Um disco para quem gosta de música sem preconceito, sem definição e sem um molde. Abu, juntamente com seus amigos (e o cachorro, mas não nesta formação), fez um disco final ( de inéditas, pois depois veio um ao vivo) excelente, digno de melhores da música brasileira. Afinal, mestre é mestre. E vice versa.

 

Para acompanhar este maravilhoso disco, indico a cerveja Boo, da cervejaria Urbana. Uma delícia que , de início pode até te assustar, mas vai se deliciar ao sentir em seu paladas. Uma cerveja clara de trigo, estilo americano, leve, alta drinkability, com grande destaque aos aromas cítricos, muito refrescante, com final seco e amargor aparente. Nada convencional das cervejas conhecidas, assim como o som do Karnak!

 

Um brinde!

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Pedro Cindio - Jornalista narigudo, músico frustrado e apaixonado por música, tenho um toc de só escutar discos completos. Cervejetariano e feio, mas meu humor salva a aparência.

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