ENTREVISTA: João Bernardo entre o novo disco, o atual Brasil e as velhas emoções

ENTREVISTA: João Bernardo entre o novo disco, o atual Brasil e as velhas emoções

João Bernardo é intuição e sensibilidade. Seu trabalho não é diferente. É com muito cuidado e carinho que ele vem preparando já há um tempo o lançamento do novo disco, intitulado “Encontro dos Rios”. O álbum é uma mistura boa de ritmos e sensações e já botou dois filhos no mundo: “Hoje Só Volto Amanhã” e “Puxadinho”.

Antes disso, o mineiro já publicou três discos: “Vende Peixe-se”, “Ano que vem eu vou ser na avenida o palhaço que eu fui na sua vida” (com a Banda Dinda) e “Meu coração não para de me bater”. Ele também já teve suas canções interpretadas por Liniker, Elisa Lucinda, Lila, Paulo Monarco, Duda Brack, Mãeana, Anna Ratto, Julia Bosco, Mari Blue, Karla da Silva, Ana Clara Horta e Pedro Luis, entre outros, além de acumular parcerias com Rubinho Jacobina, André Dahmer, Elisa Lucinda, Mãeana, Paulo Monarco, Vinícius Castro, Demetrius Lullo e por aí vai.

Que tipo de música faz você se sentir vivo?
As grandes canções. Aí pode ser Caymmi ou Daft Punk.

Que tipo de músico você é?
Sou o tipo de músico não músico (risos). Meu violão é de compositor. Não sei, por exemplo, acompanhar um cantor(a). Não sei teoria musical. Achei o meu caminho dentro da música para me expressar. Expressar o que escrevo e exercitar o meu amor às canções fazendo canções. De alguma forma, compor pra mim é confessar o meu amor à música, principalmente à música feita no Brasil. Que é um dos poucos aspectos que podem fazer o brasileiro se orgulhar do próprio país. Ainda mais agora….

O que quer partilhar com o mundo?
Quero partilhar com o mundo um pouco do espaço de subjetividade que a música em particular e as artes em geral propiciam. Viver não é só acordar, pagar aluguel, etc. Viver é gozar a vida.

Toca outros instrumentos?
Toco violão e canto. Os dois menos do que gostaria, mas toco e canto com afeto.

Quando você decidiu pela música?
A música decidiu por mim quando eu tinha uns 7 anos e fiz minha primeira canção.

O que este novo disco significa pra você?
O novo disco – Encontro dos rios – significa pra mim mais liberdade na forma de gravar e construir os arranjos. Tudo foi feito coletivamente pela banda que gravou o disco: Bem Gil nas guitarras, Domenico Lancellotti na bateria, percussões e synths e Bruno di Lullo no baixo e synths. A produção do Bruno di Lullo e Fabiano França conduziu a coisa de tal forma, que as gravações ficaram orgânicas e surpreendentes. Por exemplo, as minhas músicas, eu as apresentei só cantando, sem mostrar a harmonia, para que ficassem o mais livres possível para serem “vestidas” pela banda.

Quais os maiores desafios em lançar um disco, principalmente se adequando aos disputados formatos audiovisuais?
O desafio é o que já venho topando desde sempre. Fazer clipes. Porque as pessoas hoje escutam música “ouvendo” e não só ouvindo. Fiz uma coisa que hoje entendo que foi bem acertada. Durante a gravação do disco, já fui produzindo clipes. Quando o disco foi finalizado, eu já tinha quatro clipes prontos! “Hoje só volto amanhã”, que já lancei, dirigido pela Laís Cunha. O próximo – “Puxadinho” – dirigido pelo Rafaê Silva; “Encontro dos rios”, Dirigido pelo Eduardo Gomes, com participação especialíssima da Mãeana e “Lua, minha flor”, dirigido pelo Max Henrique e por mim.  E começo a produção de mais um clipe para a música “Longe daqui é perto de outro lugar”. Minha vontade é que cada uma das nove músicas do disco ganhe um clipe. Tomara!

O que você quer dizer para o mundo com este disco novo?
Quero dizer que o que importa na vida é o amor, o sorriso e a flor, para citar o revolucionário João Gilberto e também a música do sempre presente na minha vida, desde menino, Tom Jobim.

Como foi o processo de construção? Quais os principais desafios neste processo?
Já respondi um pouco essa pergunta duas perguntas acima. O desafio foi deixar a música que compus seguir um caminho que eu não tinha planejado. Sinto que fui bem sucedido nisso, graças ao meu desapego e disponibilidade à música e aos músicos da banda e aos produtores, que sabem e trabalham dessa forma.

Qual particularidade deste álbum te deixa extremamente feliz?
Acho os arranjos muito bonitos. E percebo que as músicas conversam entre elas.

Entre os clipes lançados com temáticas diferentes, mas sempre tocando de maneira delicada questões sociais… Como isso te toca particularmente?
O mundo está de pernas pro ar. O Brasil principalmente, porque temos um maluco não beleza no poder, que quer ver o circo pegar fogo. Mas é nos momentos de crise que as minorias podem se fortalecer. Como disse Nietzche, “a importância de se ter inimigos”. De repente, temos um babaca como esse Olavo de Carvalho ditando uma guerra de costumes, sempre de forma tosca, baixa e desqualificada. E é o líder cerebral dos descerebrados que assumiram o poder! Eu entendo o antipetismo. Mas o atual presidente você-sabe-quem, não é de direita, não é resposta para o que vinha antes. É outra coisa. É um cara atrasadíssimo. Eu diria, para pegar leve, que o você sabe quem é um monstro – ou como diz minha filha, Aurora, o lobo mau. Precisamos estar fortes. “Atentos e fortes. Não temos tempo de temer a morte”.

Qual seu maior medo em relação à música?
O meu maior medo com a música… É de que ela me possua de tal forma que eu pare até de comer! Brincadeira. É uma carreira difícil. Um dentista medíocre consegue colocar comida em casa. Um músico medíocre não…. Não sei se me explico bem, não me acho medíocre de forma alguma. Mas preciso dar saltos quânticos para viabilizar a minha vida de músico artista compositor.

Qual sua maior alegria em relação à música?
A minha maior alegria é quando recebo um recadinho que uma música minha embalou um casamento ou quando assisto a uma criança cantando num vídeo uma música que fiz. Ou como aconteceu nesse Carnaval. No Saara, região de maior comércio popular do Rio de Janeiro, estavam vendendo camisas com a minha frase “Não fui eu. Foi o carnaval”. Aí eu piro de alegria!

Como ser artista em um ambiente conservador?
Há muitos artistas conservadores… Olha, o problema não é ser conservador. O problema é ser fascista, fiscal de C*. Um artista num ambiente conservador é um agente muito importante da liberdade.

Como ser artista independente?
Ser um artista independente é saber jogar em todas as posições e saber se ligar à pessoas bacanas, que somam. Porque mesmo independente, ninguém faz nada sozinho. É muito triste ver alguém que se isola, que tenta ser auto suficiente. Vai quebrar a cara! Quando vejo alguém muito solitário, penso que a depressão está visitando essa pessoa. Humanos, uní-vos!

Quem é o João Bernardo deste novo disco?
Continuo a serviço da canção, gosto de músicas assobiáveis, é como sempre ouvi música. Continuo com resiliência e alegria, gravando e me apresentando com minhas canções.

O que você espera que as pessoas percebam com ele?
Espero que as pessoas escutem as novas canções. Neste nosso novo mundo líquido, tudo é muito, tudo é rápido – ter quem pare e escute uma canção é uma alegria e uma sorte.

O que você espera que as pessoas não percebam?
Boa pergunta. Jobim, numa conversa com Clarice Lispector, disse: “o que a gente mais quer esconder é o que mais mostra”… Não quero que as pessoas só percebam a primeira camada de uma canção. Que elas escutem uma música mais e mais vezes. É assim que se apaixona por uma música.

Como foram os processos de construção do clipe “Puxadinho”?
O Rafaê Silva, que já dirigiu N clipes, sempre com muita sensibilidade, me convidou para gravar o clipe. Foi ele quem sugeriu o cenário absurdamente lindo onde gravamos. Um hotel abandonado em São Conrado, no meio da mata, só o esqueleto. É belíssimo e bizarro. Gostei demais da locação. É tão foda, que nem precisava da minha presença. Um detalhe curioso é que estou sem camisa. Mas nem foi uma escolha. Indo gravar, parei para tirar dinheiro num caixa eletrônico e esqueci lá as duas camisas escolhidas para a gravação. Enfim, na arte a gente também trabalha com o acaso. A ideia também da música que se chamar “Puxadinho” e ser gravada num edifício imenso, é o tipo de ironia que eu gosto. O Rafaê usou o drone apar tomadas que incríveis que o lugar pedia. Amei o resultado.

E de “Hoje só volto amanhã”?
“Hoje só volto amanhã”, convidei a Laís Cunha que é muito safa e agregadora de pessoas maravilhosas, como ela. Ela de cara viu que a música não definia o gênero do eu lírico. Então, teve a ideia de chamar entre os seis atores, duas mulheres trans belíssimas. Tudo foi gravado na minha ex casa, no Rio, num cenário inspirado na arte de Hélio Oiticica e seus contemporâneos. Foi um dia onde tudo deu certo e rolou muito afeto entre todos nós.

 

 

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Carol Tavares é jornalista. Passou pela MTV, pela Bandeirantes e a hiperatividade levou seu caminho a cruzar felizmente com o Jardim Elétrico e criar a produtora Jazz House. Apaixonada por música, pelo amor, por Alberto Caeiro e por seu acampamento no Jalapão.