Artigo: O Rei (Não) Está Nu: A Crítica Contemporânea

Artigo: O Rei (Não) Está Nu: A Crítica Contemporânea

 

Vivemos em uma época em que a morte do fazer crítico é dada como certa e cada vez menos se discute sobre a importância desse ato.

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Faz pouco tempo que, mais uma vez, iniciou-se um tímido debate sobre o papel da crítica. Ela é útil? Pra que ela serve, para inflar o ego do crítico ou para dar tapinha nas costas do artista?

Aproveitando esse gancho, lá vai o autor que vos escreve cutucar a ferida da bancadastarbucks com seus argumentos tão out e démodé.

De nada vai adiantar os senhores e senhoras se estapearem, a não ser pelo divertido jogo de defesas e acusações que esses espetáculos geram e os quais sempre achamos prazeroso assistir – todo mundo tem um lado voyeur e sadô que finge não ter ou que, se por acaso admite sua existência, tenta vendê-lo como algo inofensivo e light.

Junto à ditadura da felicidade está a ditadura do crítico gente boa. Daquele cara boa praça que atura todo mundo, que sempre está disposto a falar bem do outro e que despreza pessoas arrogantes. Pura balela.

Ninguém é capaz de ser esse poço de compreensão, o que ocorre é que falta coragem para deixar a infância e se comportar como adulto. Fugir da maturidade, fingir que somos adultos – mesmo com a mentalidade de alguém que acaba de entrar na puberdade – é sempre mais seguro.

É melhor que sejamos todos bonzinhos e condescendentes. Aliás, ser contrário a isso é que desvaloriza muito o meu passe, sei bem disso.

Joguemos flores aos pés de produções sem proposta e de baixa qualidade estética ou intelectual; vamos receitar qualquer coisa que tenha por rótulo a palavra contemporânea e criar tendências cada vez mais boçais, já que o público brasileiro, que não é nada exigente, finge tolerância – também conhecida como preguiça – e vai engolindo sem reclamar qualquer coisa que a internet (a bola da vez) lhe enfia goela abaixo.

Um bom exemplo de pulsilanimidade é a grande ilusão que circula entre os ouvintes mais cults do campo da música de que tudo o que é independente é bom. Sempre dou boas gargalhadas quando penso nisso. Tanto na geração pedal quanto na geração banquinho e violão: coisas ruins existem, assim como o medo de dizer que o rei está nu.

Devemos então esquecer o trabalho de gente como David Sylvester, José Ramos Tinhorão e Paulo Francis ou, pelo contrário, nos conformar em apenas olhar para trás, para nossas sombras e nos deixar consumir por essa morna gentileza de um lado e por uma carência e necessidade de auto-afirmação do outro?

Se agarrar ao passado medrosamente ou negá-lo por completo não me parecem atitudes muito inteligentes para aqueles que se apresentam e tentam se comportar como pessoas exigentes ou libertárias. Please.

Todo esse discurso de inutilidade da crítica seja ela contemporânea ou não, é papinho de gentinha carente e medíocre, que acha melhor ser amigo de todo mundo do que ter opinião. Já me decidi, vou desistir do fazer crítico e desconsiderar a colaboração de pensadores como Luigi Pareyson, filósofo italiano que foi capaz de perceber e expor a necessidade crítica no fazer artístico, e Roland Barthes, para me juntar a essa multidão passiva e sem graça.

Calma, leitores mais animadinhos é brincadeira. Não vou dar o gosto da minha renúncia só porque bradam aos quatro ventos a inutilidade do fazer crítico enquanto seguem com pose de humanista careta que gosta de tudo ou de viciado em atenção que a tudo odeia. Sinto muito. Aliás, eu até gostaria de saber o que meus leitores andam vendo e ouvindo ultimamente (diga-me o que te agrada que te direi se tens bom gosto). Mulheres primeiro, por favor.

Artistas que não aceitam críticas; críticos que não aceitam respostas às suas críticas; público com síndrome de vira-lata. Simplificando, críticos, públicos e artistas mimados: eis um panorama crítico do nosso tempo.

Ao povo o que é do povo – medo, preguiça e egocentrismo.

Texto originalmente publicado no site Obvious.

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Escritor, jornalista e editor. Responsável pela curadoria de conteúdo do Jardim Elétrico.